Boa noite amigos,
No último domingo,
fui à apresentação do maestro André Rieu
e sua orquestra, no Ginásio do Ibirapuera em São Paulo. Salgados R$320,00 para
ocupar a penúltima fileira de cadeiras colocadas sobre o piso principal do
ginásio, em posição frontal com o palco improvisado para o espetáculo. Logo na
entrada, o que chama a atenção é o número de pessoas participando da organização.
Tudo bem planejado. Há seguranças e
orientadores por toda a parte externa do Ginásio. Depois, a cuidadosa
conferência dos ingressos (você passa no mínimo por três conferentes, até que a parte picotada é
retirada e você finalmente é encaminhado para a sua cadeira). Ao lado do
palco há dois telões que exibem o maestro e uma parte da orquestra e, eventualmente, focaliza senhores ou senhoras cantando,
aplaudindo efusivamente ou distraídos, fazendo alguma coisa que leva o público
ao riso. Aliás, provocar riso e alegria parece ser o alvo principal do
espetáculo de 2 horas, dividido em dois atos de 1 hora, separados por um
intervalo de 15 minutos. Apesar de
vários banheiros, o tempo não é suficiente para atender a todos, especialmente
as mulheres que têm que enfrentar longas filas que se formam necessariamente
ali, nos três ou quatro amplos banheiros
a ela destinados. A ocupação do ginásio é praticamente total, ressalvadas as
pontas das duas cabeceiras do lado do palco, com espaços inutilizados porque
ali não seria possível ao espectador enxergar nem o palco, nem os dois telões.
Assim mesmo são quase 6.000 lugares nas arquibancadas e mais 2.000
aproximadamente sobre o piso principal, onde ficamos. As cadeiras certamente para que coubesse o maior número
possível delas, eram minúsculas. Na maioria, conforme o tamanho do espectador,
o assento só acomodava “meia bunda”, razão pela qual, seguramente, as pessoas
que não estavam nas pontas, como eu, precisavam se encaixar nesses espaços.
Fiquei com saudade dos bancos da classe econômica de algumas Companhias aéreas.
Em compensação, enquanto você espera, pode adquirir uma gama de mercadorias
(águas e refrigerantes de todos os tipos, cerveja, pipoca, crepes de queijo). Tudo por R$8,00 (parece que os vendedores combinaram o preço
– um verdadeiro cartel). Mas dado o primeiro sinal os vendedores são retirados
do espaço e o ambiente é preparado para o início do espetáculo. De repente, surge, pelo portão dos fundos, o maestro
André, provocando surpreendentes gritinhos e “frisson” e são muitos os
espectadores que deixam seus lugares e se acotovelam próximos ao local (foi justo encima da
gente, acreditem) com suas máquinas fotográficas espetaculares ou celulares
para sacar as fotos da personalidade máxima do espetáculo, de todos os ângulos
e perspectivas possíveis e imagináveis. Recebí cotovelada, empurrões, e
suportes de máquinas na cabeça. Tudo bem. Não há mal que sempre dure. Depois de
receber ovações, ouvir juras de amor e
se deixar fotografar com aquele sorriso perene, o nosso herói
segue pelo meio do público até o palco e começa o espetáculo. Rieu tenta falar
em português, mistura um pouco com o espanhol, mas imediatamente ganha a
simpatia da platéia. Lá ao fundo, há uma faixa simpática de recepção “André.
Nós te (coraçãozinho, que é para ler “amamos”). E um Welcome, final. No meio da
multidão também aparece uma bandeira do Brasil, uma do Corinthians e outra do
Palmeiras, que é para não ficar atrás. Suponho que o tal corintiano e o outro, palmeirense,
estivessem aproveitando para comemorar a desclassificação dos dois times nas
quartas-de-finais do campeonato paulista. Brincadeira. Mas convenhamos torcedores dos dois
clubes de maior torcida de São Paulo, pega bem para receber o maestro mais popular da história recente da música
pop universal. Uma questão de adequação e simetria. O Maestro elogia o Brasil, o público de São Paulo, a quem ele
reiteradamente chama do maior e mais simpático para o qual já se apresentou, para delírio de
parte da multidão inebriada com os repetitivos elogios que faz parte certamente
do roteiro do espetáculo (ele deve falar a mesma coisa na Argentina, no México,
nos Estados Unidos, na França, no Japão). Coisa estranha essa de nós brasileiros
sentirmos uma profunda simpatia por artistas que nos elogiam e às nossas
coisas, sem reserva, experimentando um momento de acréscimo de "auto-estima" e uma ausência de auto-crítica. O espetáculo vai se desenvolvendo com um roteiro óbvio: músicas clássicas mais
conhecidas, de compositores igualmente conhecidos, mescladas com grandes
trilhas sonoras de filmes também majestosos. Aproveitando-se da suposta
distração do maestro, músicos deixam por instantes seus instrumentos, para
tomar bebida alcoólica, provocando mais risos na platéia. Esses profissionais
são mesmo polivalentes. Ao mesmo tempo que dão conta de suas baterias, pratos,
saxofones, violinos, violoncelos etc. fazem humor e malabarismo (há um músico
que se exibe equilibrando o seu sax no queixo). O objetivo é mesmo de entretenimento.
O roteiro traz novidades. Surgem os três tenores da orquesta de Rieu: o
australiano, Gary Bennett, o húngaro, Bela Mavrak e o alemão Thomas Grevel se
revezam na interpretação de árias de
óperas conhecidas de Verdi, Vivaldi e
Puccini. “Nessum Dorma”, “Ballade pour Adelina”, “O Mio Babbino” de
Gianni Shicche de Puccini, Madame Batterfly, etc. O
espetáculo também abre espaço para as sopranos brasileiras, a paraense Carmem Monarcha, a gaúcha Carla
Maffioletti e a sul-africana, Kimi Skota, a mais nova aquisição da Orquestra,
responsável pela bela interpretação de
Ave Maria de Gounod (vídeo abaixo), um dos raros
momentos do espetáculo que me comoveu. As sopranos, munidas de um
violão, oferecem um número especial para nós brasileiros. A execução de “Manhã
de Carnaval” (viajei para os anos 60, sentindo no ouvido a
interpretação magistral dessa canção, pelo saudoso Agostinho dos Santos, uma
das vozes mais lindas de que minha memória ainda dá notícia). Não há
praticamente música desconhecida do grande público. As populares de trilhas
sonoras vão se sucedendo: Lara’s Theme (Tema de Lara), The Godfather Stranger
in Paradise, a popular trilha do grande filme O Poderoso Chefão, My Heart Will
Go On”, tema de Titanic, que a Celine Dion enjoou de cantar. Já quase no final,
a indefectível mais famosa valsa de todos os tempos: Danúbio Azul, tocada pela
orquestra, trazendo ao fundo uma imagem do conhecido Rio que banha Viena. Nesse
momento, não descobri se é combinado ou espontâneo, um casal se levanta na platéia
e começa a dançar ali no corredor entre as fileiras de cadeiras. Logo, outros
casais velhos e jovens se encorajam e também seguem o exemplo. Rieu se diverte.
Às vezes pára de tocar para ver a reação dos casais e da platéia. Logo retoma.
E se diverte. Não são poucas as vezes em que ele participa interagindo,
tentando falar com determinado espectador ou saltitando (isso mesmo), no palco.
Há momento do espetáculo em que o cenário atrás do palco mostra neve caindo e, em certo ponto da platéia, blocos de neves artificiais (pedacinhos de
plástico branco) descem do teto. E caem em grande volume inundando o
chão e principalmente as cabeleiras das moças e senhoras e as carecas de alguns
senhores. Não satisfeitos os confetes de plástico penetram nos ousados decotes.
Mas aí tudo já virou festa. Uma grande festa intencional.
Para que tudo seja grande, eterno, bonito e majestoso. O Maestro anuncia o
término do espetáculo. Mas é de
mentirinha. Todos sabem que é só charme. Rieu então, a pedido da platéia, vai
tocando mais uma, outra e outra. Aí seguem os clássicos nacionais: Tico-Tico no
Fubá, Aquarela do Brasil e para encerrar lasca-se um “Ai Ai se eu Te Pego”, o
baião do Teló que virou mania internacional por culpa de muitos, mas especialmente
do Cristiano Ronaldo. Não há surpresa na platéia. Ao contrário. Enquanto o
coral da orquestra, feito de moças naquela altura vestidas de verde amarelo,
com chocalhos nas mãos, orientam os espectadores mais desafinados, o público inteiro canta (e
gesticula) com o tal do Ai se eu Te Pego. Respeitáveis senhores e senhoras, de
cabelos brancos, algumas ainda com aquele laquê dos anos dourados, não se
pecham em fazer aquele gesto que sugere um suposto ato sexual com penetração. Valeu a
pena? Não sei. Não sou grande entendedor de música. Aprecio-a
como uma das formas de artes mais significativas e indispensáveis na vida dos
seres humanos. A arte para mim é o que me toca. É, como dizia alguém que eu não
me lembro, a propósito dos estilos pictóricos: a arte é para ser sentida, não
para ser entendida. Se é isso, para mim não valeu muito
a pena. Foram raros os momentos que me cativaram efetivamente. Na maior
parte fiquei indiferente. No palco do Ibirapuera falta aquele clima do DVD,
praças e rios, palácios, príncipes, princesas, cheiro de nobreza. Neve de verdade. Coisas que misturadas
ao espetáculo proporcionado por Rie, seu cantores, seu coral e sua orquestra,
alimentam o imaginário especialmente dos que têm mais de 50 anos, o maior público, acredito, do fenômeno
André Rieu.
P.S. (1) André Rieu é
um fenômeno de vendas. Já vendeu mais de 30.000.000 (trinta milhões) entre CDS
e DVDs. E se apresentou em mais de 30 países;
P.S. (2) O seu sucesso levanta muitos
questionamentos dentre os eruditos. Os puristas o acusam de distorcer a imagem
da música clássica. Músicos jovens,
ainda que influenciados pela música pop, afirmam que o caminho de Rieu não deve ser seguido como exemplo por
outros, pois, embora considerado como música clássica tradicional, não o é;
P.S.
(3) O compositor e crítico musical
Leonardo Martinelli escreveu em um artigo para a revista Concerto, em que afirma em um trecho: “Ele vende uma imagem falsificada da música clássica. A música clássica
não é apenas aquilo. Ele distrai o seu ouvido com toda aquela parafernália
visual. Tanto que isso é estatístico: ele vende mais DVDs do que CDs., afirma,
e propõe um desafio: “Vamos ouvir a música de Rieu de olhos fechados, tirar as
luzes, o glitter e os efeitos e ver se a ideia se sustenta”.
P.S. (4) A mistura do erudito com o
popular conhecido como Crossover já
acontece há muito tempo. Os três tenores faziam isso. E já teve adeptos dos
dois lados, tanto do clássico, quanto do pop (Sting e Roger Waters
estão entre eles). No Brasil, cresce o número de orquestras que incluem
a música popular em seu repertório. A Orquestra
Ouro Preto vem ganhando espaço justamente por apostar na interpretação
orquestradas de obras dos Beatles e
até do cantor Alceu Valença. Para o
jovem maestro Rodrigo Toffolo, de 34
anos, essa mistura é excelente para formar novos públicos, especialmente entre
os mais jovens. “Quando apresentamos o
concerto dos Beatles pela primeira vez, em 2009, nós tínhamos 300 pessoas na
nossa página no Facebook e quatro meses depois, tínhamos 5.500”, contou Toffolo ao site de VEJA.
P.S. (5) Um dos mais
importantes regentes brasileiros da atualidade, o maestro Roberto Tibiriçá relativiza a polêmica. “Não sou fã do Rieu, mas acho válido esse tipo de espetáculo. Se é
popularização ou não, não importa. O
que importa é que as pessoas se sentem felizes e curtem ouvi-lo”;
P.S. (6) a Imagem que ilustra a coluna hoje foi emprestada do blog novablumenau.blogspot.com
Me parece que muitos dos críticos são pessoas que aspiram à nobreza, pessoas que tentam ser mais eruditas que a própria obra.
ResponderExcluirAndré Rieu, Richard Clayderman, Liberace, etc. podem ser incluídos na categoria de David Copperfield (o mágico). Vendem algo que se sabe que um baita engodo, mas divertem, entretêm seu público, e até abrem a porta da boa música a quem nunca teria essa porta aberta pelas circuntâncias sócio-culturais de sua família. Não devemos julgar esse tipo de espetáculo como sendo deturpação, pois para seu público, em geral, nada foi deturpado. Não conhecem profundamente as obras, e nem têm pretensão a conhecê-las. É para eles um momento de real nobreza, momento esse de que os pretensos eruditos de alpinismo jamais irão desfrutar, pois a consciência da mediocridade sempre lhes faz lembrar a farsa que interpretam pra si mesmos.