Boa
noite amigos,
Mais
uma vez o Supremo Tribunal Federal mostrou independência e comprometimento com
a defesa intransigente da Constituição da República, ao considerar
inconstitucional, por maioria (6 votos contra 5), a emenda constitucional que permitiu,
vergonhosamente, que os Estados e Municípios pudessem parcelar em até 15 anos,
a dívida dos chamados precatórios. O Congresso Nacional, para favorecer Estados e Municípios historicamente inadimplentes, por causa da
irresponsabilidade política de governantes que deliberaram realizar obras, muitas vezes
suntuosas, sem que os cofres públicos tivessem condição de bancar as
desapropriações necessárias, pressionado por
Governadores e Prefeitos de todo o país, votou em 2.009, a Emenda n. 62/09, conhecida como o PEC dos
Precatórios, concedendo moratória para a liquidação de dívidas antigas, que se
arrastam por anos e anos, sem que os credores consigam receber (muitos já
morreram e os que estão vivos não têm expectativa razoável de receber o que a
Justiça considerou direito líquido e certo).
Prevaleceu o entendimento majoritário de que a emenda fere inúmeros
preceitos fundamentais garantidos pela própria Carta Magna, dentre eles, a do
direito adquirido. A Suprema Corte deste
país ressaltou que as dívidas decorrentes de precatórios devem ser pagas de uma
só vez e no ano seguinte àquele em que a requisição for protocolada. Essa
última condição (pagamento no ano seguinte ao da solicitação) virou piada no
país. Tenho clientes aguardando cumprimento de precatórios desde a década de
80, por municípios que não pagam nenhum precatório há décadas e os Tribunais
estaduais raramente acolhem pedidos de sequestro ou de intervenção no município,
como previsto na Constituição, para o descumprimento reiterado do preceito. Não
se pode esquecer que a culpa por esse acúmulo de dívidas também é da legislação
e da timidez do Judiciário do passado ao
acolher, na sua literalidade inconstitucional, o disposto no art. 15 do Dec. Lei
3.365/41, votado em plena ditadura do Estado Novo. Por esse famigerado dispositivo, bastava ao expropriante oferecer e
depositar quantia correspondente ao mero
valor venal do imóvel, fixado para fins de cobrança de IPTU ou ITR, para obter
a imissão de posse no imóvel. Com isso,
de imediato, o proprietário perdia toda a disponibilidade sobre a coisa, via a
obra pública ser efetivada e os processos, daí por diante, se arrastavam nos
Juízos e Tribunais, sem que a expropriante mostrasse pressa ou interesse na sua
conclusão. Anos depois, transitada em julgado a decisão judicial, longo
processo de liquidação e execução se seguia, até que se expedia o ofício
requisitório que, protocolado junto ao Poder Público, era e continua sendo
ignorado no tocante ao pagamento efetivo da maior parte da indenização. A jurisprudência majoritária, de 15 anos, pelo
menos, para cá, foi se firmando no sentido de não aceitar esse valor meramente
simbólico, na maioria dos casos, para efeito da concessão de imissão liminar de
posse, determinando que um perito, nomeado pelo Magistrado, apurasse, em laudo
sumário, o valor próximo de mercado do bem e exigindo, em seguida, a
complementação do depósito, para o efeito de se conceder a perseguida imissão.
Participei, no meu tempo de magistratura, desse entendimento, e me orgulho
disso. Foi um basta ao boicote, com o que os Juízes deste país não podiam coonestar.
Sendo obrigado ao depósito do valor real do bem, ou algo próximo desse valor,
claro estava que o credor se via satisfeito antes de ser desapossado do bem e
as obras projetadas sem que o Poder Público reunisse condições de suportar o
seu custo, simplesmente não eram efetivadas, pois velhos e conhecidos adágios populares já diziam que "não se pode dar o passo maior que a perna” e de que
“quem não tem competência, não se estabelece”. O Supremo hoje resgata, com
esse julgamento, o respeito à garantia constitucional que assegura, nos casos
de expropriação, o pagamento prévio e justo do valor do bem objeto da venda
forçada. Mas ao lado disso, uma advertência. O Superior Tribunal de Justiça
anda ameaçando anular todo o esforço da jurisprudência pátria, no sentido de
moralizar as expropriações no país. Há algumas decisões que voltam a
interpretar o artigo 15 da Lei 3.365/65, como no passado, isto é, naquela linha que bastaria o depósito do valor venal para que o
expropriante obtenha a imissão
provisória na posse do imóvel. Será um desastroso retrocesso. Será a volta à
consagração do confisco proibido pela Constituição. Sim, porque ter garantido
um direito na Justiça que não se efetiva decorridos décadas e às vezes a vida
toda, não tem outro nome que não seja CONFISCO. Que as instituições decentes deste
país fiquem de olho e intervenham, nos limites de suas competências e
prestígio, para evitar retrocessos que não podem mais ser admitidos e que atiram o
país de volta a um lamentável passado de triste memória.
Até
amanhã, amigos.
P.S.
(1) Há Políticos, Juízes,
Desembargadores e Ministros que deveriam experimentar pessoalmente, ou
por meio de algum parente ou amigo querido, a experiência de ser desapropriado no Brasil e tentar
receber o valor da indenização na longa e ignorada fila dos requisitórios. Quem
sabe mudariam de opinião acerca da interpretação adequada de preceitos constitucionais fundamentais.
P.S.
(2) Votaram a favor da inconstitucionalidade os ministros Luiz Fux, Rosa Weber,
Carmen Lúcia, Celso de Mello, Joaquim Barbosa e, antes de se aposentar, o
ex-Ministro Carlos Ayres Brito e, pela
constitucionalidade, os Ministros Teori Zavascki, Dias Toffoli, Gilmar Mendes,
Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski;
P.S.
(3) A dívida de precatórios no Brasil monta a 94,3 bilhões de reais. O Estado
com a maior parcela dessa dívida é São Paulo. São 51,8 bilhões de reais, dos
quais 24,4 bilhões devidos pelo Estado e 26,9 bilhões devidos pelas
Prefeituras.
P.S.(4) Há no Brasil 1 (um) milhão de credores
de precatórios. Dá para sentir que a questão não é de interesse particular
contra interesse público, mas um verdadeiro problema social de graves
proporções, com o calote de dívida pública reconhecida pelo Judiciário;
P.S.
(5) A Ação Direta de Inconstitucionalidade do PEC dos precatórios foi proposta
pela Ordem dos Advogados do Brasil, em nome do resgate da moralidade.Parabéns à
instituição, mais uma vez, pela intervenção na salvaguarda dos direitos
fundamentais e na luta pelo respeito à Constituição Federal;
P.S. (6) A imagem da coluna de hoje é de Ministros do Supremo Tribunal Federal em jornada de trabalho e foi emprestada do site noticias.uol.com.br
P.S. (6) A imagem da coluna de hoje é de Ministros do Supremo Tribunal Federal em jornada de trabalho e foi emprestada do site noticias.uol.com.br
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