Amigos: Em suas profundas
observações, o grande precursor do existencialismo ateu, Jean Paul Sartre defende que
“o absurdo do mundo é absoluto por sua constante possibilidade, isto é,
tudo é gratuito: a vida humana não tem sentido algum, e para superar este
caráter contingente da existência, o homem inventa Deus. Cabe exclusivamente ao
homem dar um sentido à sua vida.”. Bem, com ou sem a crença na existência de
Deus, ou de uma entidade superior que teria criado e que comanda definitivamente
o universo, questão que cada um livremente decide, certo é que,
inegavelmente, a nossa “existência” se
funda na temporalidade, e com ela se funde, de tal maneira que o tempo qualifica a própria
essência da “existência”: “Existência temporal”, pois. Por isso mesmo penso não ser possível
harmonizar-se o próprio “existir” com a noção de eternidade. São conceitos que
se antagonizam. Ora, se fossemos
eternos, qual de nós é que iria para a eternidade? Sim, porque somos um aos 12
anos, outro aos 20 e outro aos 60. Nem estou falando dos atributos físicos, do
biótipo que é matéria e como tal pereceria sem passar para o outro mundo, mas
do chamado espírito ou alma, como se preferir. Iríamos apenas como espíritos? Luzes?
Luzes eternas? O ser humano sempre se pergunta, por que teria vindo a este mundo, com que
objetivo, com que finalidade. É o famoso binômio “porque” e “pra que”. Mas,
pensem bem: por que teria que haver um motivo, uma finalidade, uma razão para
que o homem nasça, viva e morra. Ainda que não se conceba que a existência seja
gratuita e contingente, como quer Sartre, fato é que nada indica que a nossa
existência na terra, a existência de cada um, tenha que ter uma razão, um
porque, e um para que. Ora, esse mesmo questionamento também pode ser feito – e com
muito mais relevância no meu modo de entender – para a eternidade. Por que
razão iríamos todos para a eternidade? E para que? A verdade é que nós humanos
somos pretensiosos. Não nos conformamos em sermos irrelevantes para a
continuidade desse mundo, ou nossa própria continuidade depois da morte. Há
vida vegetal, há vida entre outros animais e nem por isso se cogita de que
serão eternos. Mas não somos peixes, não somos macacos. Mas já fomos, e a única
razão pela qual não somos mais é o processo
evolucionista, hoje sequer razoavelmente contestado. Mas a evolução continua sendo qualificada pela
temporalidade. Ou seja, para encontrar
um argumento favorável a essa discriminação entre mim e o peixe, ou o macaco,
diríamos que nós somos animais racionais, nós temos alma e eles não. Mas ainda
assim o “ser temporário” nos contraria, ou seja, nós só não somos “peixe” no presente, mas já fomos no passado,
de tal maneira que a vida eterna, a relevância estaria condicionada no tempo
(eu peixe, eu macaco, não sou relevante, mas eu “agora” homem, sou). A própria
noção de “essência” como algo inerente ao homem e, como tal, imutável,
experimenta relatividade. Existe uma essência do “humano”, que possa ser sustentada
em todas as eras da história? Absolutamente, não. O homus sapiens não existiu
como tal nas primeiras eras. E se existiu em outras formas (ser unicelular, por
exemplo), não tinha originariamente essência de humano. Por
outras palavras, eu só vou para a eternidade porque se decidiu hoje que os
homens são eternos, e não ontem, quando eu ainda era peixe ou macaco. É isso?
Pensar que o mundo existe, que todas as coisas existem para nos servir é outro
argumento pretensioso. Será verdade também pensar que todos os animais têm seus predadores, menos o
homem. Não, absolutamente. O homem tem
muitos predadores que o destroem, aqui e acolá, às vezes de maneira longa e
silenciosa. O homem é predador do próprio homem. Somos envenenados pela boca e
pelo ar. Somos destruídos pela incúria, pelo assassinato ou pelos desastres da
natureza. Pelas guerras estúpidas. Pela ânsia do poder. Pelas bactérias, fungos
ou vírus. Não nos faltam predadores. E graças a eles, supõe-se, que a vida e a
morte do homem são fundamentais à manutenção do equilíbrio do planeta terra.
Nesse raciocínio, os progressos da medicina e outras ciências, que acenam para
maior longevidade, constituiriam indiscutível ameaça a esse equilíbrio? Por que
pensar que somos a razão de tudo existir? E quando se fala em espécie,
abandonamos o que efetivamente nos interessa nessa discussão. Sejamos franco: o
que nos interessa é efetivamente o “Eu”. O “ego” de forma personalizada, que
almeja a eternidade para si, não para uma espécie. E disso não se duvida. Ainda
invocando a genialidade de Sartre, “Ser homem é propender a ser Deus, ou se
preferirmos, o homem é, fundamentalmente, desejo de ser Deus.” A outra
incongruência é que o homem pensa triste na morte, imaginando que ela fará
cessar projetos e práticas que ele tem durante a sua vida material. Mas quem iria precisar disso na eternidade?
Como se sabe o nosso temor é perder coisas que só têm sentido na vida temporal
e não numa visão de eternidade. Experimentar a ideia de que não haverá vida
depois da morte, em esfera alguma, pode nos oferecer um sentido mais positivo
para a vida, valorizando o valor liberdade e despojando-nos dessa sensação
horrível de que seremos agraciados ou punidos na eternidade. Acreditem!
Até amanhã amigos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário