Boa noite caros amigos,
Vocês certamente se
lembram, pelo menos de noticiário, de fato pitoresco envolvendo torcedores de
Ponte e Guarani no derbi disputado no ano passado pelo Campeonato Brasileiro da
Série B . A partida aconteceu no Estádio Moisés Lucarelli e houve violência
envolvendo polícia e torcedores. Por essa razão, o Superior Tribunal de Justiça da
Confederação Brasileira de Futebol puniu as duas equipes, com perda de mandos de jogos em seus estádios.
Pois bem, a violência teria se iniciado entre a torcida bugrina, por conta de
provocação de uma pessoa que consta ser locutor ligado à Ponte Preta e que
teria, com o uso de microfone ou megafone, provocado a torcida do Guarani
chamando-a de “galinhada”. E não é que uma das torcedoras, sentindo-se ofendida
em sua honra, e atribuindo a responsabilidade civil à equipe da casa, promoveu
perante o Juizado Especial Cível da Comarca de Campinas, uma ação de
indenização por dano moral. Não obteve êxito. Mas vale a pena transcrever a
lúcida decisão da Juíza de Direito, Doutora Eliane da Camara Leite Ferreira,
magistrada competente e grande amiga, por se tratar de questão interessante e
peculiar. Vaí lá: “ANALISANDO O CONJUNTO
PROBATÓRIO, CONCLUO QUE A PRETENSÃO INICIAL NÃO MERECE ACOLHIMENTO. OCORRERAM
OS FATOS EM VOGA EM UMA PARTIDA DE FUTEBOL, CONHECIDA NO MEIO DESPORTIVO COMO
“DÉRBI”, QUE SE CARACTERIZA PELO ENFRENTAMENTO DE EQUIPES DE UMA MESMA
LOCALIDAE, EXSURGINDO PÚBLICA, NOTÓRIA E VIGOROSA A RIVALIDADE ENTRE ELAS E,
COMO NÃO PODERIA DEIXAR DE SER, ENTRE OS SEUS RESPECTIVOS TORCEDORES, QUE, NÃO
RARAMENTE, MANIFESTAM-NA DE MANEIRA GROSSEIRA. PELA GRAVAÇÃO DIGITAL DE IMAGEM
(DVD) JUNTADA AOS AUTOS PELA AUTORA E CONFIRMADAS PELA RÉ, POSITIVOU-SE QUE,
MAIS UMAVEZ, HOUVE TUMULTO EM UMA DISPUTA ENTRE AS AGREMIAÇÕES GUARANI E PONTE
PRETA, SENDO QUE OS TORCEDORES, MANTENDO A TRADICIONAL RIVALIDADE, OFENDERAM-SE
E SE AGREDIRAM RECIPROCAMENTE. DE OUTRO VÉRTICE, A CONTROVÉRSIA ORA TRATADA
SURGIU EM RAZÃO DA MANIFESTAÇÃO DE LOCUTOR DE RÁDIO, QUE TERIA CHAMADO A
TORCIDA OU O TIME DO GUARANI, OU AMBOS, DE GALINHADA. CONTUDO, IMPÕE-SE FRISAR
QUE MESMO QUE DEMONSTRADO QUE O ALVO DO LOCUTOR FOI A TORCIDA DO GUARANI, É DE
UMA OBVIEDADE ULULANTE QUE OS ATAQUES VERBAIS NÃO FORAM DIRIGIDOS ESPECIALMENTE
À HONRA PESSOAL DA AUTORA, TAMPOUCO DE QUALQUER OUTRO TORCEDOR, SENDO DE
MEDIANA COMPREENSÃO QUE SE CONSTITUEM EM DESINTELIGÊNCIA NORMAL DO COTIDIANO,
DESPROVIDOS, PORTANTO, DO POTENCIAL LESIVO VISLUMBRADO PELA AUTORA. ASSIM,
CONQUANTO PROVADA A OFENSA E SUA AUTORIA, IGUALMENTE RESTOU EXPLICITADO QUE AS
PALAVRAS FORAM PROFERIDAS EM UM CONTEXTO DE GRANDE EMOÇÃO DAS TORCIDAS,
MARCADAS PELA HISTÓRICA RIVALIDADE. SALIENTE-SE, ADEMAIS, QUE XINGAMENTOS
LANÇADOS EM MOMENTOS TÍPICOS DE EXALTAÇÃO, DECORRENTES DE MERO IMPULSO, NÃO
OPERAM OFENSA APRECIÁVEL À HONRA, POIS CARACTERIZAM MERA GROSSERIA PESSOAL
INCAPAZ DE ADENTRAR NO PLANO JURÍDICO, NÃO JUSTIFICANDO, POR OUTRO LADO, A
SUPERFETAÇÃO DE FATOS TAIS, MÁXIME COM A INTENÇÃO DE MERCANTILIZAÇÃO DE
PEQUENOS INCIDENTES E CONFLITOS DO COTIDIANO PARA TRANSFORMÁ-LOS EM FONTE DE
RENDA À GUISA DE RESSARCIMENTO POR DANO MORAL. OPORTUNO CITAR EXCERTO DO VOTO
DO EXMO. DESEMBARGADOR ENIO ZULIANI, EM ACÓRDÃO PROFERIDO PELA COLENDA 4ª.
CÂMARA DE DIREITO PRIVADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, QUE MUITO BEM
EXPLICA OS ASPECTOS ORA TRATADOS DE UMA PARTIDA DE FUTEBOL: “... CONSIDERADO
PAIXÃO NACIONAL, O FUTEBOL ENCANTA E APAIXONA GERAÇÕES DE BRASILEIROS, CRIANDO
UMA RIVALIDADE QUE PODERÁ SER SADIA NOS RELACIONAMENTOS ENTRE ADULTOS BEM
RESOLVIDOS OU PERIGOSA QUANDO AS TORCIDAS ENFURECIDAS E VIOLENTAS SE CRUZAM NOS
ESTÁDIOS. NA ARENA OS ATLETAS PROFISSIONAIS SE ESFORÇAM PARA PRESERVAÇÃO DO
OBJETIVO DO TRABALHO DELES, QUE É JOGAR, O QUE NÃO INIBE ENVOLVIMENTO EM BRIGAS
E CONFUSÕES ENTRE ELES E COM OS ÁRBITROS, QUE, PELA EXPERIÊNCIA (ART. 335 DO
CPC) SÃO AS MAIORES VÍTIMAS DA IRRACIONALIDADE QUE EXPLODE POR BANALIDADES,
TANTO QUE A LEI 10.671/2003, EM SEU ART. 30, ESTABELECE DEVER DOS ORGANIZADORES
DE PROMOVER ARBITRAGEM INDEPENDENTE, IMPARCIAL, REMUNERADA E INDEPENDENTE DE
PRESSÕES. É DIFÍCIL TESTEMUNHAR UM ÁRBITRO AGREDINDO JOGADORES, POIS O QUE SE
DÁ, NORMALMENTE, É O OPOSTO, OU SEJA, OS JOGADORES É QUE PARTEM PARA CIMA DOS
ÁRBITROS, COM AGRESSÕES VERBAIS E FÍSICAS, TANTO QUE É FOLCLÓRICO VÊ-LOS
CORRENDO PARA OS VESTIÁRIOS NA TENTATIVA DE SE PROTEGEREM, O QUE PROVOCA ÊXTASE
NA PLATÉIA......” POR FIM, NÃO SE PODE DEIXAR DE LEMBRAR QUE AMPLAMENTE ACEITO
QUE TORCEDORES DE UM TIME DE FUTEBOL REFIRAM-SE AOS DE OUTROS COMO “GALINHA”,
“PORCO”, “GAMBÁ”, “MACACA”, “BAMBI”, “PEIXE”, “URUBU”, “LOBO”, “GALO”, “BURRO”
OU “BACALHAU”, SEM QUALQUER CONOTAÇÃO EFETIVO DE CUNHO DISCRIMINATÓRIO, POIS É
COMUM AS ASSOCIAÇÕES DAS AGREMIAÇÕES A ANIMAIS, SENDO DISPARATADO CONCLUIR QUE
ESSA BRINCADEIRA GENERALIZADA POSSA CAUSA DOR MORAL, MALGRADO POSSA SER, EM
ALGUNS CASOS, CLASSIFICADA COMO INOPORTUNA E DE MAU GOSTO. TAL EXPEDIENTE, EM
SÍNTESE, É A INEQUÍVOCA EXPRESSÃO DA VONTADE DO POVO BRASILEIRO, DE SEUS
VALORES, CONSISTINDO NO COSTUME QUE, COMO FONTE DO DIREITO, EXCEPCIONA O RIGOR
DA LEI QUANDO NÃO PRODUZ, DE FATO, QUALQUER EFEITO LESIVO A INTERESSES
LEGITIMAMENTE TUTELADOS, DENTRE OS QUAIS NÃO SE INSEREM AS SUSCETIBILIDADES.
DIANTE DO EXPOSTO, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL.”
Até amanhã amigos.
P.S. (1) A sentença foi
proferida nos autos n. 2.392/11 do Juizado Especial Cível da Comarca de
Campinas;
P.S. (2) Realmente, o comportamento dos torcedores
quando apaixonados e durante os jogos é imprevisível e irracional. Desde que
isso não se transforme em agressão física específica, claro que ninguém deve se
sentir verdadeiramente ofendido. Expressões, como: “aí veado” (dirigida ao
árbitro ou a determinado jogador), ou “fulano está de comendo...” (de torcedor
dirigindo-se ao técnico que insiste em manter na equipe um jogador que está
jogando mal), ou “aí corno” (dirigindo-se, por exemplo, ao técnico do time
adversário que está gesticulando, reclamando do juiz) e coisas que o valham são
comuns durante os jogos. Vejam por exemplo, o que costuma gritar uma certa
torcida organizada do Bugre, mesmo durante jogo que não envolve a rival Ponte
Preta, a título de mera provocação: “Eta, eta, eta, pau no cu da Ponte Preta”.
P. S. (3) E aí eu
pergunto: Lá Ponte Preta tem cu, por acaso?
P.S. (4) Mas se vocês
vissem o riso de satisfação e felicidade de um torcedor já de certa idade,
simples e machucado pela vida, com poucos dentes na boca, durante esse tipo de
provocação, não teriam dúvidas em afirmar: Futebol no Brasil é paixão.
Irracional. E não tem lógica como o cu da Ponte Preta. Ou do Guarani. Para que
meus amigos pontepretanos não digam que é discriminação.
P.S. (5) A imagem que
ilustra a coluna hoje foi emprestada de blogdobenelima.
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Grande Prof. Jamil! Li o artigo acima e a leitura rendeu-me uma grande satisfação. Em primeiro lugar por saber que tens um blog, o qual passarei a acompanhar a partir de agora. Ademais, por encontrar em todo o texto, e especialmente no post scriptum de sua autoria, enorme lucidez, bom humor e coerência jurídica, na maneira de tratar de um assunto, concomitantemente, tão quotidiano e tão espinhoso. Realmente foi uma gratificante leitura. Deixo aqui meus mais sinceros cumprimentos e a alegria de, ainda que eu não tenha sido seu aluno, termos podido conviver bastante na Faculdade de Direito da PUC Campinas, quando lá estive me graduando. Grande abraço com saudações pontepretanas.
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