sexta-feira, 18 de maio de 2012

FUTEBOL E DANO MORAL NO DERBI CAMPINEIRO


Boa noite caros amigos,

Vocês certamente se lembram, pelo menos de noticiário, de fato pitoresco envolvendo torcedores de Ponte e Guarani no derbi disputado no ano passado pelo Campeonato Brasileiro da Série B . A partida aconteceu no Estádio Moisés Lucarelli e houve violência envolvendo polícia e torcedores. Por essa razão,  o Superior Tribunal de Justiça da Confederação Brasileira de Futebol puniu as duas equipes, com   perda de mandos de jogos em seus estádios. Pois bem, a violência teria se iniciado entre a torcida bugrina, por conta de provocação de uma pessoa que consta ser locutor ligado à Ponte Preta e que teria, com o uso de microfone ou megafone, provocado a torcida do Guarani chamando-a de “galinhada”. E não é que uma das torcedoras, sentindo-se ofendida em sua honra, e atribuindo a responsabilidade civil à equipe da casa, promoveu perante o Juizado Especial Cível da Comarca de Campinas, uma ação de indenização por dano moral. Não obteve êxito. Mas vale a pena transcrever a lúcida decisão da Juíza de Direito, Doutora Eliane da Camara Leite Ferreira, magistrada competente e grande amiga, por se tratar de questão interessante e peculiar. Vaí lá: “ANALISANDO O CONJUNTO PROBATÓRIO, CONCLUO QUE A PRETENSÃO INICIAL NÃO MERECE ACOLHIMENTO. OCORRERAM OS FATOS EM VOGA EM UMA PARTIDA DE FUTEBOL, CONHECIDA NO MEIO DESPORTIVO COMO “DÉRBI”, QUE SE CARACTERIZA PELO ENFRENTAMENTO DE EQUIPES DE UMA MESMA LOCALIDAE, EXSURGINDO PÚBLICA, NOTÓRIA E VIGOROSA A RIVALIDADE ENTRE ELAS E, COMO NÃO PODERIA DEIXAR DE SER, ENTRE OS SEUS RESPECTIVOS TORCEDORES, QUE, NÃO RARAMENTE, MANIFESTAM-NA DE MANEIRA GROSSEIRA. PELA GRAVAÇÃO DIGITAL DE IMAGEM (DVD) JUNTADA AOS AUTOS PELA AUTORA E CONFIRMADAS PELA RÉ, POSITIVOU-SE QUE, MAIS UMAVEZ, HOUVE TUMULTO EM UMA DISPUTA ENTRE AS AGREMIAÇÕES GUARANI E PONTE PRETA, SENDO QUE OS TORCEDORES, MANTENDO A TRADICIONAL RIVALIDADE, OFENDERAM-SE E SE AGREDIRAM RECIPROCAMENTE. DE OUTRO VÉRTICE, A CONTROVÉRSIA ORA TRATADA SURGIU EM RAZÃO DA MANIFESTAÇÃO DE LOCUTOR DE RÁDIO, QUE TERIA CHAMADO A TORCIDA OU O TIME DO GUARANI, OU AMBOS, DE GALINHADA. CONTUDO, IMPÕE-SE FRISAR QUE MESMO QUE DEMONSTRADO QUE O ALVO DO LOCUTOR FOI A TORCIDA DO GUARANI, É DE UMA OBVIEDADE ULULANTE QUE OS ATAQUES VERBAIS NÃO FORAM DIRIGIDOS ESPECIALMENTE À HONRA PESSOAL DA AUTORA, TAMPOUCO DE QUALQUER OUTRO TORCEDOR, SENDO DE MEDIANA COMPREENSÃO QUE SE CONSTITUEM EM DESINTELIGÊNCIA NORMAL DO COTIDIANO, DESPROVIDOS, PORTANTO, DO POTENCIAL LESIVO VISLUMBRADO PELA AUTORA. ASSIM, CONQUANTO PROVADA A OFENSA E SUA AUTORIA, IGUALMENTE RESTOU EXPLICITADO QUE AS PALAVRAS FORAM PROFERIDAS EM UM CONTEXTO DE GRANDE EMOÇÃO DAS TORCIDAS, MARCADAS PELA HISTÓRICA RIVALIDADE. SALIENTE-SE, ADEMAIS, QUE XINGAMENTOS LANÇADOS EM MOMENTOS TÍPICOS DE EXALTAÇÃO, DECORRENTES DE MERO IMPULSO, NÃO OPERAM OFENSA APRECIÁVEL À HONRA, POIS CARACTERIZAM MERA GROSSERIA PESSOAL INCAPAZ DE ADENTRAR NO PLANO JURÍDICO, NÃO JUSTIFICANDO, POR OUTRO LADO, A SUPERFETAÇÃO DE FATOS TAIS, MÁXIME COM A INTENÇÃO DE MERCANTILIZAÇÃO DE PEQUENOS INCIDENTES E CONFLITOS DO COTIDIANO PARA TRANSFORMÁ-LOS EM FONTE DE RENDA À GUISA DE RESSARCIMENTO POR DANO MORAL. OPORTUNO CITAR EXCERTO DO VOTO DO EXMO. DESEMBARGADOR ENIO ZULIANI, EM ACÓRDÃO PROFERIDO PELA COLENDA 4ª. CÂMARA DE DIREITO PRIVADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, QUE MUITO BEM EXPLICA OS ASPECTOS ORA TRATADOS DE UMA PARTIDA DE FUTEBOL: “... CONSIDERADO PAIXÃO NACIONAL, O FUTEBOL ENCANTA E APAIXONA GERAÇÕES DE BRASILEIROS, CRIANDO UMA RIVALIDADE QUE PODERÁ SER SADIA NOS RELACIONAMENTOS ENTRE ADULTOS BEM RESOLVIDOS OU PERIGOSA QUANDO AS TORCIDAS ENFURECIDAS E VIOLENTAS SE CRUZAM NOS ESTÁDIOS. NA ARENA OS ATLETAS PROFISSIONAIS SE ESFORÇAM PARA PRESERVAÇÃO DO OBJETIVO DO TRABALHO DELES, QUE É JOGAR, O QUE NÃO INIBE ENVOLVIMENTO EM BRIGAS E CONFUSÕES ENTRE ELES E COM OS ÁRBITROS, QUE, PELA EXPERIÊNCIA (ART. 335 DO CPC) SÃO AS MAIORES VÍTIMAS DA IRRACIONALIDADE QUE EXPLODE POR BANALIDADES, TANTO QUE A LEI 10.671/2003, EM SEU ART. 30, ESTABELECE DEVER DOS ORGANIZADORES DE PROMOVER ARBITRAGEM INDEPENDENTE, IMPARCIAL, REMUNERADA E INDEPENDENTE DE PRESSÕES. É DIFÍCIL TESTEMUNHAR UM ÁRBITRO AGREDINDO JOGADORES, POIS O QUE SE DÁ, NORMALMENTE, É O OPOSTO, OU SEJA, OS JOGADORES É QUE PARTEM PARA CIMA DOS ÁRBITROS, COM AGRESSÕES VERBAIS E FÍSICAS, TANTO QUE É FOLCLÓRICO VÊ-LOS CORRENDO PARA OS VESTIÁRIOS NA TENTATIVA DE SE PROTEGEREM, O QUE PROVOCA ÊXTASE NA PLATÉIA......” POR FIM, NÃO SE PODE DEIXAR DE LEMBRAR QUE AMPLAMENTE ACEITO QUE TORCEDORES DE UM TIME DE FUTEBOL REFIRAM-SE AOS DE OUTROS COMO “GALINHA”, “PORCO”, “GAMBÁ”, “MACACA”, “BAMBI”, “PEIXE”, “URUBU”, “LOBO”, “GALO”, “BURRO” OU “BACALHAU”, SEM QUALQUER CONOTAÇÃO EFETIVO DE CUNHO DISCRIMINATÓRIO, POIS É COMUM AS ASSOCIAÇÕES DAS AGREMIAÇÕES A ANIMAIS, SENDO DISPARATADO CONCLUIR QUE ESSA BRINCADEIRA GENERALIZADA POSSA CAUSA DOR MORAL, MALGRADO POSSA SER, EM ALGUNS CASOS, CLASSIFICADA COMO INOPORTUNA E DE MAU GOSTO. TAL EXPEDIENTE, EM SÍNTESE, É A INEQUÍVOCA EXPRESSÃO DA VONTADE DO POVO BRASILEIRO, DE SEUS VALORES, CONSISTINDO NO COSTUME QUE, COMO FONTE DO DIREITO, EXCEPCIONA O RIGOR DA LEI QUANDO NÃO PRODUZ, DE FATO, QUALQUER EFEITO LESIVO A INTERESSES LEGITIMAMENTE TUTELADOS, DENTRE OS QUAIS NÃO SE INSEREM AS SUSCETIBILIDADES. DIANTE DO EXPOSTO, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL.”

Até amanhã amigos.

P.S. (1) A sentença foi proferida nos autos n. 2.392/11 do Juizado Especial Cível da Comarca de Campinas;

P.S. (2)  Realmente, o comportamento dos torcedores quando apaixonados e durante os jogos é imprevisível e irracional. Desde que isso não se transforme em agressão física específica, claro que ninguém deve se sentir verdadeiramente ofendido. Expressões, como: “aí veado” (dirigida ao árbitro ou a determinado jogador), ou “fulano está de comendo...” (de torcedor dirigindo-se ao técnico que insiste em manter na equipe um jogador que está jogando mal), ou “aí corno” (dirigindo-se, por exemplo, ao técnico do time adversário que está gesticulando, reclamando do juiz) e coisas que o valham são comuns durante os jogos. Vejam por exemplo, o que costuma gritar uma certa torcida organizada do Bugre, mesmo durante jogo que não envolve a rival Ponte Preta, a título de mera provocação: “Eta, eta, eta, pau no cu da Ponte Preta”.

P. S. (3) E aí eu pergunto: Lá Ponte Preta tem cu, por acaso?

P.S. (4) Mas se vocês vissem o riso de satisfação e felicidade de um torcedor já de certa idade, simples e machucado pela vida, com poucos dentes na boca, durante esse tipo de provocação, não teriam dúvidas em afirmar: Futebol no Brasil é paixão. Irracional. E não tem lógica como o cu da Ponte Preta. Ou do Guarani. Para que meus amigos pontepretanos não digam que é discriminação.

P.S. (5) A imagem que ilustra a coluna hoje foi emprestada de blogdobenelima. Blogspot.com

Um comentário:

  1. Grande Prof. Jamil! Li o artigo acima e a leitura rendeu-me uma grande satisfação. Em primeiro lugar por saber que tens um blog, o qual passarei a acompanhar a partir de agora. Ademais, por encontrar em todo o texto, e especialmente no post scriptum de sua autoria, enorme lucidez, bom humor e coerência jurídica, na maneira de tratar de um assunto, concomitantemente, tão quotidiano e tão espinhoso. Realmente foi uma gratificante leitura. Deixo aqui meus mais sinceros cumprimentos e a alegria de, ainda que eu não tenha sido seu aluno, termos podido conviver bastante na Faculdade de Direito da PUC Campinas, quando lá estive me graduando. Grande abraço com saudações pontepretanas.

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