Boa
tarde amigos,
O
mais recente romance de Luiz Carlos Ribeiro Borges, “CRÔNICA de BERNARTZ &
BERTRAN”, é
uma obra cuidadosamente elaborada, como adverte o autor no prefácio, tecida a
partir de duas dentre as suas confessadas paixões: a Provence do sul da França
e a obra dos trovadores medievais, que criaram e cantaram as líricas trovas de
amor, trazendo poesia, vida e luz à escuridão da Idade Média, marcada pelo
teocentrismo e pelas delações, perseguições, condenações sumárias e execuções
da Igreja Católica Apostólica Romana. Protagonistas
reais do romance, com o único traço comum da notoriedade e reconhecimento como
grandes trovadores que foram, Bernart de Ventadorn e Bertran de Born, dão
título ao livro e têm os seus currículos explorados com apoio nas inúmeras
pesquisas e obras consultadas pelo autor. Mas
o caráter biográfico da obra fica por aí. A
partir da notícia de que ambos os trovadores teriam se recolhido, numa mesma
abadia, em Dalon, por volta do ano de
1.195, onde o primeiro se tornou monge,
o autor supõe razoavelmente que eles teriam se encontrado e, a contar dessa
probabilidade e de como teria sido esse relacionamento breve,
cria o romance, construindo todos os outros personagens fictícios, com os quais
os notáveis trovadores teriam dividido
uma convivência, ora harmônica, ora tensa e difícil, às vezes próxima, outras
de distanciamento, num mundo de
desconfianças, medo e perseguições, que marcaram o obscurantismo da Idade Média
e o desenvolvimento das várias correntes filosóficas então contemporâneas ou
anteriores, voltadas para o homem, sua origem e finalidade
Os
diálogos são primorosos e cada um dos personagens fictícios foi construído e se
conduz, no desenvolver do romance, em consonância com as bases da doutrina que
professa ou censura, fidelidade que agrega ao romance, além da beleza estética,
um apreciável valor pedagógico e histórico no que respeita aos precursores das
doutrinas que deram vida às correntes filosóficas suscitadas.
Ao
leitor é lícito supor que as reflexões a que se permitem os personagens,
oriundos que são de mundos e experiência diversos, a par de enriquecedoras, por
certo também revelam muito do próprio autor, na busca da compreensão pelo que
seja a natureza humana, a finalidade e o destino do homem e, especialmente, as
facetas do amor, nas suas diversas manifestações, não o amor platônico apenas,
não só o amor divino, não só o amor de pai, de mãe, mas também, dentro dessa natureza humana
animal, a legitimidade do amor-paixão,
breve, arrebatador, real ou onírico e o
sexo perseguido como expressão única de prazer mundano, inevitável, buscado sem
culpa ou pecado, como mera expressão hedonista.
Se
o livro é a viagem de quem perdeu o
trem, ou que não tenha recursos para viajar, Borges, na sua desenvoltura para criar e
conduzir o leitor pelo romance, vai apresentando os personagens, inserindo-o no
cotidiano deles, contando a sua história passada e revelando em que medida agora são eles reflexos da experiência amealhada, do
seu caráter, dos seus temores e conflitos, e bem assim, as suas dúvidas entre
dedicar-se ao recolhimento monástico ou retornar à vida secular.
Não
é difícil, assim, compartilhar da loucura de Serapião, dos temores de Quirino, das
informações do bibliotecário Isidoro, do monge Honorato, do abade Prudêncio e
suas predileções pelos escritos apologéticos dos primeiros anos de Cristianismo
e de tantos outros personagens com quem os trovadores se cruzam no convívio da Abadia.
Por
fim, viajando no tempo, o romance, até então contado, em primeira pessoa, pelo
trovador Bernartz, com suas visões e impressões, vai encontrar
nosso escritor, inserido no mundo moderno do século 20, transmitindo as
suas conquistas e frustrações, num ensaio acerca do tempo, seus efeitos
inexoráveis sobre a saúde física e mental, reproduzindo, assim, os mesmos questionamentos que acompanham o ser
humano, desde o aparecimento da sua espécie (o homo sapiens), vida e morte, a religião e seu papel e influência nas
sociedades de todos os tempos, amor e
sexo, o sexo sem amor, as virtudes e os
pecados, os valores, a transcendência e
a finalidade do homem.
Aqui
também, como em obras anteriores, Borges volta a uma de suas temáticas prediletas: a natureza e o poder do sexo sobre os homens e seus
destinos, o fascínio pelo enigma da mulher
e seu poder de sedução e perdição, aproximando-se, nesse particular, de um dos elementos presentes na poesia de
Vinicius de Moraes.
Há
também, acredito, um certo fascínio por figuras reputadas marginais, ontem e
hoje, que desafiam os costumes e valores sociais e morais, revelando a coragem
e a possibilidade de alternativas de vida condicionadas apenas às suas próprias
convicções e vontade.
A
despeito de temas pesados e profundos, Borges consegue dar leveza e seguimento
ao romance, sem gerar no leitor um fastidio ou cansaço, mantendo-o envolvido com os personagens e os
acontecimentos e a curiosidade pelo desfecho dos conflitos que essa interação
provoca, outro aspecto marcante na obra.
Em
síntese, uma obra que, adjetivada como ficção, um romance, é muito mais que
isso e pode aparecer como indica o catálogo como relativa à poesia Medieval, os
Trovadores, ao Trovadorismo, à Filosofia, além da biográfica com relação aos
protagonistas, os notáveis trovadores, Bernardt de Venadorn e Bertran de Born.
Como
todos os outros livros do autor não é obra com apelo popular ou comercial. Mas
como disse um dia o escritor Manuel Carlos sobre Elis Regina: “Elis (substituo
por Borges) não faz obra para o público; faz público para sua obra”. E se me
permite o autor sem qualquer envolvimento da estima que nos une há muitas
décadas, peço que me admita, modestamente, como fiel integrante dessa última categoria.
Até
mais amigos,