terça-feira, 3 de janeiro de 2012

A CEGONHA - CAUSAS & CAUSOS


Oi amigos, boa noite,  vai lá um "causo" proceis, com muito carinho:

"A CEGONHA. 

_ Vocês são dois bobos. Não existe cegonha nenhuma!
Era o Vandão, falando a mim e a meu irmão Toninho, do alto de sua sabedoria de colega mais velho, ou seja, de seus doze bem vividos anos, logo após a nossa vizinha, Dona Cidinha, ter dado à luz.
Eu tinha dez anos e o mano oito.
Passamos o dia inteiro, na nossa santa inocência, esperando, do lado de fora, a gloriosa chegada da Dona Cegonha que alguém apregoara, traria com certeza a “encomenda” feita pelo casal.
Quando um precisava se ausentar, o outro ficava de plantão, de maneira que não houvesse chance de perder o acontecimento.
Ficamos frustrados e desconfiados um do outro quando veio a notícia de que o nenê já tinha sido entregue.
_ Ué, como? Ninguém viu nada!
Foi o Vandão que nos alertou para a existência de algo que na nossa vida era totalmente ignorado: O sexo.
_ Esse negócio não funciona assim como vocês pensam – prosseguia. Vocês não têm pipi? Pois é, as meninas tem uma xoxota (eu sempre achei que pelo formato o certo deveria  ser chochota). O nenê nasce quando o menino deixa o pipi duro e coloca ele dentro da xoxota da menina.
_ Nossa, o que é isso? Uma invasão!
_ É tudo assim mesmo, como eu estou dizendo.
_ Os dois ficam peladinhos? Perguntou o mano
_ É.
_ Um na frente do outro? Continuei
_ Claro!
_ Que coisa mais feia!
_ Pois é, mas toda mulher quando tem nenê é porque deixou o marido pôr o pinto lá dentro da xoxota dela. Daí sai um líquido, que nem uma meleca, uma gosma branca. É com isso que se fabrica a pessoa.
_ Credo! Mas todas as mulheres passam por isso.
_ Todas, sim. Veja a Dona Clarice, nossa prezada professora.
_ A Dona Clarice, não!
Dona Clarice era uma professora pela qual tínhamos um profundo respeito. Era de meia-idade, cabelos compridos, mas presos, roupas que mostravam praticamente nada. Vestidos compridos, sem decotes. Usava óculos de grau. Parecia uma freira. 
_ A Dona Clarice não tem filhos? Insistia o Vandão.  Pois é, ela também deixou. Vai vê que faz até “chupetinha” pro marido dela. Vocês sabem o que é “chupetinha”?
_ Não! Chega. Não sei e não quero saber. Até imagino a nojeira que deve ser se isso tudo que você está dizendo for mesmo verdade.
 _ E tem mais. Veja a sua mãe
_ Epa! A minha mãe, não! (Pela primeira vez eu senti, ainda pequeno, o que era pôr a mãe no meio).
_ Desculpe, mas ela também. O seu pai comeu ela, pra vocês nascerem.
 _ Que filho da puta, pensei. Por que não vai comer a mãe dele?
Mas, logo em seguida, o remorso:
_ Pô a mãe dele é a minha avó, coitada. E além de tudo é velhinha. Que sacanagem!
Aquele papo me deixara grilado.
Mais a mim, que era mais velho do que ao meu irmão que escutou, mas parece que não deu muito bola.                
Nunca perguntei, nem sei se ele ainda vai se lembrar, mas suponho que ele não tenha acreditado em nada.
 Tinha certeza de que era brincadeira, uma piada indecente.
Está certo que aquela conversa me trouxe mais próximo da realidade. Poxa, os pais bem que podiam falar pra gente sobre essas coisas lá pelos sete, oito anos de idade. Talvez com outras palavras, não fosse tão traumático e nojento. Talvez se se começasse a falar de amor, de amizade, de carinho, para depois mais naturalmente chegar aquilo que eu considerava praticamente “vias de fato”.
O que mais me marcou, porém, no episódio, não foi a descoberta, nem a decepção, nem a quebra da ilusão quanto à existência de um mudo cor-de-rosa de cegonhas e crianças feitas no céu por Nosso Senhor.
Foi a satisfação com que o Vandão, malandro, contava pra gente. Ele ria muito. A sacanagem maior estava nisso. Na alegria que ele tinha de contar a pior versão. De ver a gente decepcionado, desiludido, desalentado.
A vida seguiu.
Não sei por onde anda o Vandão.
  Já são mais de quarenta anos e a última notícia dele foi nos idos de 1966.
 Nunca, porém, me esqueci dele e daquele dia.
 É que tipos como ele jamais deixaram de existir e de cruzar com a gente por esse mundo de Deus.
 São pessoas que não suportam o sucesso, o talento, a fama, a sorte das outras.
Pessoas cujos ciúmes são maiores que o próprio sentimento de auto-estima.
Movidas pela inveja ou por outro sentimento mesquinho, invocam ou criam objeções sempre voltadas para os supostos defeitos ou qualidades negativas. 
Em resumo, buscam a pior versão.
E não há como evitá-las.
_ O Gianecchini é bonito mas é viado. O Fábio Assunção é viado. O Tom Crouise é viado.
_ Veja que carreira fez o Maradona. É um grande jogador, afirma alguém.
E ele:
_ Carreira?  Sim bela carreira. Só se for carreirinha para cheirar pó. Ele é mais chegado na cocaína do que na bola.
_  O que, o Pelé? É verdade. O Pelé sim, que belo exemplo.
_ Esse jogou mesmo. Dele não se pode falar nada, a não ser que deixou no abandono aquela filha dele com a faxineira. A tal da Sônia que levou anos para poder ser reconhecida na Justiça. Não é que a mulher é a cara do cara, meu! Nem precisava exame de DNA. Qualquer cego estava vendo que ela era o “Pelé de saias”.
_ Quem? O Zico?
_  É, do Zico não se pode falar nada. Eta profissional competente. Eta carreira maravilhosa. Eta homem de caráter irrepreensível. Consta que é bom pai, bom filho, bom marido. Os japoneses fizeram até um “busto” dele, como reconhecimento e forma de imortalizá-lo.
_ É verdade! Você tem razão. Desse não tem muito o que se falar. Tá certo que ele nos tirou um título certo de Copa do Mundo em 1986, você lembra? Aquilo lá era pênalti para ser perder durante o jogo com a França?
_ A Vera Fischer é uma beleza, não?
_ É. Mas bebe e cheira!
_ E a Xuxa?
_ Essa precisou ver “muita coisa preta” no começo da carreira, para se promover. É o que dizem.
Dá-lhe Vandão!!!
E assim segue a vida.
De minha parte tenho procurado evitar esse tipo de gente, que me faz lembrar o lado negativo ou mórbido do ser humano.
Vem à tona aquela famosa advertência do genial Bernard Shaw, segundo a qual, “Quando se lê uma biografia deve-se ter em mente que a verdade é impublicável”.
Que se lixe essa gente.
Afinal, que saudade eu tenho da Cássia Eler, da Elis, do Jimy Hendrix, da Jane Joplin, do Raul Seixas.
Meus heróis morreram todos de “overdose”, como lembrou, certa feita,  o saudoso Cazuza.
Mas isso não me interessa.
Acho que, apesar de abominar os Vandões, de vez em quando eles “batem” na gente.
E a gente é capaz de pensar como eles. E fazer brotar a intolerância, o indesculpável, a pior versão.
É preciso ficar atento.
Afinal, lembrando o velho e saudoso Vinícius, “a hora do sim é um descuido do não”. 
Xô Vandão, vá lamber sabão!!!"

P.S. (1) A imagem que se vê acima foi extraída do "bruxinhaalegre.blogspot.com" e é identificada como cegonha3.gif.
 P.S. (2) O "causo" contado está no meu livro "Causas & Causos" - No Sisudo ambiente da justiça, também há humor, vida e graça", 2.006, Millennium Editora Ltda.

Até amanhã.













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