quinta-feira, 18 de agosto de 2011

CAUSAS & CAUSOS - A REFREGA


Oi amigos,

O assunto de hoje é a transcrição de um dos " causos" que está no meu livro CAUSAS & CAUSOS, tomo I, no momento esgotado, após a primeira edição. O tomo II (capa reproduzida ao lado), está à disposição nas livrarias, para quem tiver interesse. Segue o conto, como eu conto:

A REFREGA.


                                 Orador é aquele que diz o que pensa e sente o que diz” (W.J. Bryan).



                                   O “causo” se passou na Comarca de Angatuba, nos anos dourados da década de 60.


Cidade pequena, povo e hábitos tipicamente rurais, avultava a figura do “caboclo” ou “caipira”, um tipo característico que usava calças curtas e chapéu de palha.


Esperto, se fazia passar quase sempre, pela sincera modéstia, por matuto, pessoa sem cultura e ignorante.


“Dava uma de morto para entrar no c. dos vivos,” diria um velho amigo já falecido.


Infalivelmente era sujeito respeitoso e cumpridor de seus deveres.


A cidade estava em polvorosa.


Pela primeira vez iria acontecer um júri de verdade, porque desde a instalação da Comarca, na década de 50, nenhum crime de homicídio doloso, tentado ou consumado, tinha sido registrado ali.


O Zé do Mato tinha feito besteira.


Depois de muitos anos namorando com a Benedita e já estando de aliança para casar, não é que brigaram e desfizeram o noivado, sem qualquer motivo relevante?


O povo sabia, porém, que essa briga não ia dar em nada, que o reatamento era coisa certa e breve.


Num sábado, um daqueles amigos do alheio, resolve procurar o Zé do Mato, para dizer que a noiva dele estava num certo baile no salão paroquial.


E garantia o distinto que ela ali dançava “com Deus e todo mundo”.

O Zé, tomado de incontrolável ciúme, arma-se de uma peixeira e vai até o local, onde encontra a noiva efetivamente dançando e mais um punhado de gente, pois o salão estava lotado.


Depois de rápida discussão, de empurrões e chegas-para-lá, o Zé dá uma facada na noiva, que a atinge na região do baixo ventre.


                                   A moça é socorrida, mas escapa com vida do atentado.


O Zé é denunciado por tentativa de homicídio e pronunciado pelo Juiz, para ser levado ao Tribunal do Júri popular.


Assim é que aconteceria o primeiro Júri na história da Comarca de Angatuba.


O Promotor de Justiça, pessoa tímida, não quis encarar o desafio de falar em público para muita gente, mesmo porque assegurava não ser bom de oratória, nem afeito a esse tipo de processo.


Oficiou à Procuradoria, pedindo escusa e a designação de um substituto.


No dia do julgamento, o salão do Júri estava lotado de gente.

O Juiz Presidente começa a sessão, interrogando o réu.

Depois dá início à instrução, chamando o Osório, um típico caboclo, primeira testemunha de acusação.


O Osório vem, pede licença para chegar, tira respeitosamente o chapéu, pede nova licença para se sentar, metendo as mãos entre o chapéu e este sobre o colo, numa atitude de humildade e certo temor reverencial.


                                     Seu depoimento, no entanto, não vai sendo favorável à acusação, o que provoca no Promotor, um almofadinha de voz entoada e palavrório dificil, uma certa ira.


Quando o Juiz lhe dá a palavra para reperguntas, o tal Promotor dispara:


_ Excelência, antes de reperguntar. eu requeiro a Vossa Excelência que readvirta a testemunha de que ela depõe sob o compromisso de dizer a verdade. Que se mentir poderá ser processada por delito de falso testemunho e ser condenada à pena de reclusão de até quatro anos.


O Juiz volta-se para o caboclo e sem reproduzir a manifestação, indaga:


_ O Senhor ouviu?


O caboclo acena com a cabeça, afirmativamente.

_ Pois então saiba que não pode mentir.

                                     _  Sim, senhor.


_ Vá lá então senhor Promotor, faça a repergunta.


                                            Excelência, eu quero saber da testemunha, que é presencial, se a faca entrou na moça antes ou depois da refrega.


                Silêncio tumular no auditório.


                                                 Ninguém sabia o que queria dizer a tal refrega.


                  Registram os dicionários que refrega significa luta, confusão, combate.


                                    O Juiz volta-se para o caboclo, mais uma vez sem reproduzir a pergunta, mesmo porque também não sabia o que era refrega e diz:


_ Você ouviu?


   _ Ouvi, sim senhor


Então pode responder.


_ Olha dotô, eu vou falar bem a verdade porque eu não sou hôme de mentira. Óia bem, se a faca entrou na moça antes ou depois da refrega eu num sei. Mas uma coisa eu garanto a vosmessê porque eu tava a uns dez metro do casar. A faca, doutor, entrou na moça pelo menos um meio parmo pra cima da refrega dela.

 
Até amanhã.










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