Amigos, bom dia
Acordei essa manhã de domingo quente de primavera, nesta terra que já foi das Andorinhas, com a notícia do falecimento do Doutor Sócrates. O carismático jogador de futebol desaparece aos 57 anos depois de sucessivas internações, decorrentes de seu precário estado de saúde. Na última entrevista concedida à imprensa, Sócrates admitiu ser dependente de álcool, causa provável de sua cirrose hepática. Isso agora já não importa. Quero dizer aos amigos que o paraense Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, nascido em Belém no dia 19 de fevereiro de 1.954, ou simplesmente o Doutor Sócrates, ou ainda, o “Magrão” foi uma das personalidades mais marcantes do século XX, quebrando sucessivos tabus no esporte brasileiro. Tinha nome de filósofo grego, conferido pelos pais sem que eles soubessem que efetivamente o seu destino estava marcado para ser um “filósofo” da bola, da política e da vida. Era terceiranista do curso de Medicina, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, quando passou a jogar futebol profissional por insistência dos dirigentes do Botafogo. Não pretendia seguir carreira, mas simplesmente "obter alguns trocados para o cigarro e a cerveja", como declararia mais tarde. O destino, porém, fez com que se revelasse craque para todo o Brasil. Levou o Botafogo, onde jogou de 74 a 78, à sua mais alta trajetória dentro do futebol de São Paulo e do Brasil (O Bota foi campeão do primeiro turno do campeonato paulista em 77, e Sócrates, o artilheiro da competição). Transferiu-se para o Corinthians, o clube mais popular de São Paulo, onde, ao lado de outros craques como Vladimir e Casagrande, inaugurou a chamada “Democracia Corintiana”, postulando o direito dos atletas de participarem das decisões políticas do clube. Escolhia técnico e horários de treinamento, demonstrando uma liderança nunca vista nesse esporte. No Timão foi tricampeão paulista nos anos de 1.979, 1.982 e 1.983. Convocado para a seleção brasileira, fez parte daquela sensacional equipe que tinha Zico como grande comandante, Júnior, Toninho Cerezzo (terrível aquele passe errado que culminou num dos gols italianos), Falcão, Paulo Isidoro, Roberto Dinamite, Sérginho, dentre outros, equipe essa que jogava o mais bonito futebol já visto na época, favoritíssima ao tetracampeonato mundial e que sofreu aquela fatídica derrota para a burocrática seleção da Itália de Paolo Rossi, no pequeno Estádio Sarriá, na Espanha. Jogou também na Seleção na Copa de 1.986, no México. Participou, emprestando o seu nome e o seu prestígio para o famoso movimento das “Diretas Já”, em que a intelectualidade e a sociedade brasileiras reclamaram a volta da Democracia no Brasil. Doutor Sócrates era efetivamente um gênio e fazia poesia com a bola, de quem gostava e era correspondido. Ficaram famosas as suas jogadas e gols de calcanhar. Seu talento superava a paixão do torcedor. Lembro-me de que em um jogo Guarani e Corinthians aqui no Brinco de Ouro, Doutor Sócrates fez um desses gols antológicos “de calcanhar”. E o seu belíssimo tento provocou em mim e em toda a torcida bugrina, a um só tempo, raiva e admiração. Era uma dolorosa, mas honrosa, derrota para o talento e a estética. O “Doutor” não era gratuito. Sócrates, rompendo outra das barreiras do futebol (antes dele ao que me consta só Tostão tinha esse título universitário) era médico, profissão que procurou exercer depois que encerrou sua carreira como atleta. Nos anos 90, quando Sócrates deixou de jogar, surgiu Raí, seu irmão mais novo e que também foi um “cracasso”, jogando no São Paulo, onde foi Campeão Brasileiro e Campeão Mundial. E na nossa geração o fato provocava discussão sobre qual dos dois irmãos era melhor. Saudável polêmica, para os amantes do futebol. Nunca se soube, verdadeiramente. Sócrates, ao contrário de Raí, não jogou muito tempo na Europa, não aprendeu francês, não foi campeão brasileiro, nem campeão mundial (foi campeão paulista com o Corinthians em 1.979, 1.982 e 1.983, e carioca, pelo Flamengo, em 1.986), e teve a carreira encurtada. Por isso, há controvérsias pela ausência de um número mínimo de parâmetros. Penso que Sócrates era um jogador mais completo (concluía, com eficiência, fazendo gols de dentro e fora da área, dava assistência magníficas, cobrava faltas ou pênaltis com categoria, fazia gols de cabeça, de bico ou de calcanhar e um estilo elegante, auxiliado pelo seu porte esguio). Mas ao contrário de Raí, não teve a sorte do irmão. Nem se poupou de riscos, críticas posições, nem do cigarro ou da cerveja. E fez de sua trajetória, apologia da célebre frase do escritor ingles, Oscar Wilde, para quem “Posso resistir a tudo, menos à tentação”. Os deuses dos estádios choram. A bola lamenta. Nós, amantes desse esporte tão apaixonante, sentimos saudade. E agradecemos por ele ter existido para o futebol, para a democracia e para a vida, cujo sentido buscou, certamente, o tempo todo, entre sucessos e fracassos. A busca de nosso Sócrates brasileiro, acabou. Descanse em paz!
E.T. A imagem acima pertence a "Ze-games.net", de quem tomei emprestado para homenagear o atleta morto.
Até amanhã.
Olá, doutor Jamil. É um prazer encontrar o seu blog. Acabei encontrando por acaso, procurando no Google por Sócrates. Tudo muito bem escrito, demonstrando o talento e o conhecimento já reconhecidos. Coloquei nos meus favoritos. E também tenho um blog, onde faço algumas brincaderias e molecagens sem compromisso, bem alheias ao mundo juríco.
ResponderExcluirAbraço
Elcio (irmão do Elba).
http://estilingada.com