Boa tarde amigos,
Questão tormentosa no Direito de
Família diz respeito a se saber se
outros parentes da criança ou adolescente podem exigir dos pais do
menor, no caso de dissidência ou afastamento,
o direito de visita. O fundamento desse
direito, a mim parece óbvio, é a solidariedade familiar, os direitos e deveres
recíprocos que moral e juridicamente envolvem os parentes, e a harmonia familiar vista esta, tanto quanto
possível, no seu sentido mais amplo. E o
que estabelece a lei a respeito? Bem num primeiro plano e de maneira expressa,
tanto o Código Civil de 1.916, quanto o
Código atual, de 2.002, não previram originariamente direito de
visitação por parte de outros parentes, além do pai e da mãe que, por
circunstâncias, convenção ou condenação, não tinham ou não têm a guarda do
menor. Ao cônjuge guardião impõe a lei o dever de permitir que o outro cônjuge,
igualmente detentor do chamado “poder familiar” (antigo pátrio poder) possa
visitá-lo, para que o convívio entre pais e filhos se possa fazer de maneira
ampla e efetiva, sem prejuízo da
separação ou do divórcio. Com efeito, estabelece o art. 1.589 do Código Civil
em vigor que: “O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los
e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for
fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”. E quanto aos avós? Bem, como se disse não dispunha a lei no
sentido de assegurar essa prerrogativa, mas por proposta do dinâmico Instituto
Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a Lei 12.344, de 09 de dezembro de
2.010, acrescentou parágrafo único ao art. 1.589 do Código Civil,
dispondo nesse sentido: “O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a
critério do juiz, observados os interesses da criança ou do
adolescente” . A bem da verdade, a jurisprudência sempre se pronunciou
favoravelmente sobre pretensões dessa natureza, quando chamada a decidir em
casos concretos, vindo a lei apenas a chancelar ou sacramentar o que estava
sedimentado por construção pretoriana, elaborada a partir dos princípios que
inspiram, como se disse, o chamado Direito de Família moderno. Penso que o
assunto não se esgota aí. O pedido pode ser deferido, por exemplo, em favor de
um tio, ou de um sobrinho, de um irmão, de um amigo? Bem, a questão aí merece
algumas considerações. O Código Civil de 2.002, ao contrário do anterior
revogado, criou um sistema de normas abertas, que possibilita ao juiz elaborar,
em face da casuística que lhe é apresentada, a norma a ser aplicada no caso
concreto, consoante o sentido de justiça e equidade. Ora, se certos parentes na
linha reta e colateral são herdeiros, uns dos outros, em caso de sucessão; se
esses mesmos parentes podem ser chamados a prestar alimentos à criança ou
adolescente, o fato é que por questão de
reciprocidade, a eles deve ser assegurado, também, o direito de visita. Recebí
há alguns anos no escritório, o tio de um adolescente desesperado para visitar
seu sobrinho que sofrera uma cirurgia delicada e estava correndo sério risco de
morte. O pai, por uma briga interna na família, não permitia que esse tio, e
mesmo os avós, visitassem o menor. As relações entre esse tio, que era
inclusive solteiro e vivia com os pais, avós do menor, e o adolescente, eram fortes afetivamente e
tanto um, quanto o outro, segundo se dizia na ocasião, queriam muito se
avistar. Ora, nesse caso, algum juiz negaria o direito de visita a esse tio?
Mais do que isso, negaria, ao próprio adolescente, a prerrogativa de estar com o
parente querido? A resposta só pode ser negativa. Bem, se se reconhece que o
Direito de Família hoje, inclusive no que toca à união estável e ao próprio
casamento, se funda primordialmente nas relações afetivas e não em outro
elemento, a pretensão pode ser deduzida por qualquer parente e até por amigos,
sem parentesco. A diferença consistirá apenas, no meu modo de ver, à prova
exigida pelo Magistrado. Em se tratando de parentes na linha reta ou colateral até o segundo grau
(irmãos), haverá presunção dessa afetividade e do bom relacionamento com o
incapaz, presunção essa que, todavia, poderá ser desfeita, por prova em
contrário, a cargo dos pais ou do genitor que se recusa a permitir o convívio. Se o parentesco for além desse limite, ou
inexistir, será preciso demonstrar, antes, por todo e qualquer meio de prova, que existe uma ligação afetiva
especial entre o incapaz e aquele que
pretende exercer o direito de visita. Também será importante verificar,
especialmente no caso de adolescente, se ele concorda com a visita (para tanto
o Magistrado pode e deve ouvir informalmente o menor), e discutir uma forma que preserve o cotidiano
e o dia-a-dia do incapaz e de seus pais. É também relevante registrar que
infelizmente muitos pais, por egoísmo ou por falta de compreensão quanto à
necessidade de convívio e afetividade da criança e adolescente também com os
avós, tios e parentes próximos, acabam afastando-os desses parentes ou criando,
em relação a eles, por eventualmente não terem a mesma forma de vida, a mesma
origem, as mesmas condições econômicas e outras circunstâncias, preconceito que não pode ser admitido. A
criança e o adolescente precisam sentir que existem outras formas de vida além
daquelas vivenciadas no seu lar, entre seus pais, ou relativamente ao
genitor-guardião. E que o filho não constitui propriedade de seus pais, mas
antes é fruto de uma cadeia genética e histórica de seus ancestrais, que podem ser, sem exclusão, alemães e índios, negros e franceses, paranaenses e mineiros, e daí por diante. Num
país como o Brasil, praticamente todos nós somos fruto de uma saudosa
miscigenação. Agora lembrei daquela
toada do Chico Buarque que começa dizendo assim: “O meu pai era paulista. Meu avô pernambucano. O meu
bisavô mineiro, Meu tataravô baiano. Meu maestro soberano. Foi Antonio
Brasileiro” . Deixe a criança e o adolescente participarem
do convívio, desde que saudável, com os avós paternos e maternos e outros
parentes, deles recebendo, e podendo a eles também oferecer, os afetos que o ser humano precisa para ser
sentir estimado neste mundo de tantas incompreensões e violências. Garanto que
o resultado será muito bom para todos.
Até amanhã.
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