domingo, 11 de março de 2012

CAUSAS & CAUSOS - JOLUMÁ E A MÁQUINA VOADORA


Boa noite amigos,

Em 2.006, escrevi este "causo" acontecido quando eu ainda era escrevente de cartório no Fórum de Campinas. O conto está no livro Causas & Causos n. I, da editora Millenium, atualmente com edição esgotada.

JOLUMÁ E A MAQUINA VOADORA.


“Deixemos que nos invada o sonho de Ícaro. De voar. Voar. Voar para a liberdade. Voar para fazer Justiça acima dos limites do tempo e do lugar. Que nossas asas, contudo, não sejam de cera, mas asas que, sólidas, não derretam quando expostas à luz do sol”(Jamil Miguel).

Jolumá era um simpático funcionário de Cartório de Registro de Imóveis, cumulando essa função habitual com a de poeta e radialista.

Habituado à expedição de certidões, datilografava praticamente o dia todo.


Depois de anos executando esse serviço, tomara-se um “az” no manejo da máquina, uma velha e potente “Remington”, que conservava com carinho e absoluto zelo, por décadas.

Gabava-se de ser um dos mais, senão o mais ágil datilógrafo de toda a Comarca, suposição alimentada pelo Oficial do Cartório, que vivia elogiando o Jolumá aos demais colegas e, sobretudo, às visitas, incluindo a do Juiz Corregedor, por ocasião da Correição anual.


Com o Jolumá a máquina não anda, corre, ou melhor, voa, dizia o Oficial do Cartório.

Nem tanto Seu João Luiz, é exagero,respondia o serviçal, sem muita convicção ou falsa modéstia.

Não é que seus colegas, capitaneados pelo Rubinho, gozador emérito, resolveram aprontar em cima do Jolumá e da fama que se espalhara a respeito de seus dotes de exímio datilógrafo.


No dia marcado para a correição anual, na presença do novo Juiz Corregedor, o Rubinho vira-se para o Sr. João Luiz, sugerindo:


_Oi patrão, peça pro Jolumá fazer uma pequena exibição de seu dom de datilógrafo ao Meritíssimo.


O Juiz ficou curioso:


_Do que se trata?


_Ah, Excelência, não é nada. E que nós temos um funcionário aqui no Cartório, de meia idade, que “bate à máquina” uma enormidade e o pessoal admira muito ele.


— É rápido mesmo?, indagou o Magistrado.


Com o Jolumá a máquina não anda, corre, ou melhr voa, Excelência, falaram todos os colegas ao mesmo tempo, imitando o Escrivão.


_Ô Jolumá, faça uma pequena demonstração de seus dotes para o para o nosso estimado Corregedor.


E virando-se para o Magistrado:


_Isso se Vossa Excelência não se importar?


Homem que economizava palavras, meio sisudo, limitou-se o Magistrado a aquiescer com um aceno positivo.


O Jolumá, cheio de si, senta-se pomposamente em posição de quem vai cumprir uma árdua e importante missão.


Um, dois e já!


Dispara a bater a primeira linha do texto, o que faz muito rapidamente, mas ao dar primeiro toque para mudar de espaço, o carro da máquina, depois de deslizar completamente, despreende-se do corpo e voa para fora cerca de dez metros, só parando depois de se chocar contra a parede.


O Jolumá, o Juiz e o Escrivão tomaram um susto.


Todos os demais, porém, rolaram a gargalhar, como que esperando pelo inusitado acontecimento.


É que tinham, sem que ninguém mais o soubesse, soltado os dois grandes parafusos que prendiam o carro da máquina de escrever ao resto do equipamento.


Mas o fato é que o Jolumá, o Juiz e o Oficial do Cartório continuaram com a impressão de que a máquina, naquela manhã, sucumbira diante do talento e da rapidez do datilógrafo.


E foram espalhando isso, durante muito tempo, por todos os lugares pelos quais passavam.


—Naquele dia, a máquina até voou, de verdade, na frente de várias testemunhas, se você duvidar, repetia o Jolumá."

Até amanhã, amigos.

P.s.: a imagem que ilustra a coluna é do Sr. Idalício, um dos mais antigos funcionários públicos da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro e foi emprestada do site: http://www.flickr.com

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