sábado, 11 de junho de 2011

GIOVANETTI DO ROSÁRIO


Olá amigos.

Ele abriu  as portas, pela primeira vez, nos idos de 1.937. E continua a fazê-lo, todas as manhãs,  lá pelas 10,00  horas. No largo em frente, a vida se repete:  muita gente passa apressada para retomar as tarefas ou cumprir compromissos. O calçadão é bom para cortar caminho, sem risco de atropelamento. Aposentados que perderam o sono pelas 5,00 da manhã esticam seus jornais, para se assenhoriar das últimas notícias do dia, ainda que elas sejam as mesmas dos dias anteriores. Os personagens, contudo, às vezes, mudam. E é tempo de perder tempo, pois não a nada além disso para fazer na vida que se arrasta igual.  Um senhor com uma bíblia na mão prega em altos brados, a despeito de não ter qualquer espectador interessado, naquela hora da manhã. Ele não se importa mas nos amaldiçoa, em tom apolíptico,  por preferirmos os prazeres materiais, àquela renúncia espiritual, jurando que não valerá a pena trocar tais prazeres pelo mármore quente e eterno do inferno. As bancas  ostentam as edições mais recentes das revistas de moda, alimentação ou fofoca. As fotos preferidas são de mulheres bonitas e semi-nuas. Uma inequívoca homenagem à beleza e à estética. Clima perfeito. Se está sol e calor, os garçons vão colocando duas ou três mesas e umas oito ou nove cadeiras do lado de fora, encostados à parede, para não atrapalhar o movimento sobre o passeio. É o quanto cabe, pois a frente do estabelecimento, como sempre foi e é  pequena e acanhada. E essas mesas se destinam a gente que quer ver e ser vista. Lá dentro um balcão de cabo a rabo, em sentido longitudinal, acompanha o traçado do prédio, que é estreito e comprido. As mesas se distribuem pelo resto do espaço limitado. Uma escada leva o freguês, quando necessário, ao piso de cima, onde se encontram os sanitários de uns anos para cá, novos e reformados. Antes, o banheiro ficava ali embaixo mesmo. Abria-se uma porta nos fundos e lá estava ele, que não passava de  uma queda d’água  escorrendo do teto até uma canaleta, onde os senhores e os jovens rapazes devolviam as dezenas de chopp ingeridos. Cabia mais.  A água que corria respingava na gente, inevitavelmente. Disse uma vez o Dr. Manuel Carlos, que o único inconveniente daquele banheiro é que ao invés de você mijar nele, ele é que mijava em você. É verdade, ou melhor, era verdade. Não é mais. Agora os banheiros são novos e chiques. E tem o feminino. Nos primeiros tempos o bar não era freqüentado por mulheres. Só pelos homens. Estão  lá em cima a desafiar os fregueses depois do 10º chopp. Se não der para encarar, é pedir a conta e ir para casa. No balcão são exibidos os produtos da casa. Amplos presuntos Parma e enormes queijos,  fechados amarrados, garrafas de bebidas comuns e sofisticadas sobre cristaleiras especialmente abertas em vãos de parede. Brasileiras ou estrangeiras. A chapa, sempre cheia, prepara os deliciosos sanduíches da casa (o Psicodélico, o Churrasquinho Especial, o  Casal 20). E há os salgadinhos clássicos também da casa, como o pastel (envelope) e   a rolha (croquete). Os nomes curiosos foram dados por um velho garçon, o Possante (o apelido ironizava o garçonzinho pequeno e franzino, com um vasto nariz), que há muitos anos já não está lá e eu nem sei se está vivo.  Há também a pizza e outros quitutes e opções. Tudo rigorosamente original, feito com matéria prima de primeiríssima, razão do sucesso de décadas do bar. O ambiente descontraído permite que os fregueses possam também se encostar no balcão e ali mesmo pedir um chopp, um sanduíche, um suco, ou qualquer coisa. Ali também nasceu a praxe de se trazer o chopp junto com a bolacha (esfera de papelão que amparava o copo e ficava na mesa, denunciando o tanto que o fregues tomava. Servia de base também para contar e fazer os cálculos da “dolorosa” (a conta final), embora fosse pouco provável que o cliente, já embriagado, acompanhasse eficientemente a contagem. Deixa para lá.  Também a praxe de ir trazendo o chopp antes mesmo do freguês pedir outro, entendendo-se que o consentimento era tácito e que só a oposição poderia ser expressa. Durante mais de 40 anos, o Sr. Naccarato, que era o Distribuidor Judicial da Comarca de Campinas, saía do Fórum ali próximo e passava no Giovanetti. Pedia um chopp, tomava o chopp e ia embora para casa. Se você visse o Nacarato chegando para seu chopp diário podia olhar para o relógio que era infalível: 18,00 horas, sem erro, o que era confirmado pelo apito das fábricas e o sino da Catedral, a entonar a Ave Maria.  O Giovanetti era e é o ponto de muitas figuras e protagonistas de conversas mirabolantes   e antológicas. Pelas suas mesas e recantos seus freqüentadores viajaram pelo mundo, sem pagar passagem. Por ali também  passaram políticos, juristas, artistas e profissionais de maneira geral. Boêmios e solitários. Namorados e casados. Ali dentro se forjaram candidaturas políticas, noivados arranjados e planos futuros de cidadãos comuns. Só não dava para fugir da perseguição da ditadura, pois ali era ponto de civis e militares, indistintamente. Opressores e oprimidos.   E outros personagens da cidade, como a Gilda, o Mane Fala Ó, o Bozó,  e  o Nã, pontepretano roxo, que ia dar o resultado do jogo do bicho para os apostadores. Era também palco de discussões intermináveis sobre Guarani e Ponte Preta e futebol em geral. Sobre política e filosofia. Ah! E como era bom conversar mole no Giovanetti do Rosário, regado ao chopp Antarctica geladíssimo, tirado por quem tinha competência para fazê-lo, pois podem acreditar, tirar chopp não é coisa para amador não. O Giovanetti está lá, praticamente igual ao que era. Ainda mantém as mesinhas do mesmo jeito, espalhadas da mesma forma e o balcão longitudinal. E também os deliciosos salgadinhos e sanduíches, com a marca única de sua tradição e  cheiro de saudade daqueles personagens que já se foram e das histórias e estórias que fizeram dali, um recanto especial da cidade e da história de Campinas de Barreto Leme, Campos Sales e Carlos Gomes. Vá lá e respire um pouco disso tudo. Coma bem e tome o chopp bem tirado. Num ambiente aconchegante e absolutamente descontraído. Pode falar alto, de preferência mais alto do que o cidadão da mesa ao lado, senão ninguém escuta.  É bom.



Boa tarde a todos e até amanhã.

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