terça-feira, 10 de maio de 2011

A DÚVIDA EM MACHADO DE ASSIS

Boa noite amigos blogueiros.
Numa noite comum e modorrenta de outubro do ano passado, dando tratos à bola, surgiu-me à mente compartilhar do drama de Bentinho, um dos personagens mais importantes da literatura consagrada de   Machado de Assis, e na sua insuperável dúvida quanto à fidelidade da amada Capitu e a suspeita de que o filho dela nascido, não era seu. Pior, a suspeita fundada de que o próprio Machado, seu criador, o abandonara, não lhe permitindo solucionar o enigma. Que crueldade, pensei. Será? Sentei ao computador e então, refletindo sobre tudo isso - o sentido e o valor da arte imitando a vida ou vice-versa, escrevi as reflexões que seguem, fruto  unicamente de minhas elucubrações mentais, às quais compartilho agora com os amigos.
A DÚVIDA EM MACHADO DE ASSIS
Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre em nosso espírito sofrer pedras e setas com que a fortuna, enfurecida, nos alveja, ou insurgir-nos contra um mar de provações e em luta pôr-lhes fim? Morrer... dormir; não mais” (Hamlet – Shakespeare).
Com que sentido, extensão e intensidade a “dúvida”, enquanto manifestação do espírito humano,  opera em nossa vida e interfere no nosso caráter e  dita a trajetória de nossos destinos?
Essa questão não é simples, porquanto a “dúvida” pode surgir no espírito humano, positiva ou negativamente, de várias maneiras, em seus multifacetados aspectos  e variantes.
Há a dúvida ética de Hamlet sobre que seria mais nobre e adequado. A dúvida do cético  que jamais será solucionada, porquanto constitui, a um só tempo, princípio e base do próprio ceticismo.
Há a dúvida teleológica que serve a si mesma como  o “preço da pureza”, porque “é inútil ter certeza” (Infinita Highway, Humberto Gessinger/Engenheiros do Haway).
O que seria do avanço da ciência sem a dúvida que permite o questionamento de todas as premissas axiomáticas ou empíricas consagradas no conhecimento do passado?
Teria Descartes sido o grande inaugurador do pensamento moderno se não tivesse proposto a substituição de uma suposta “verdade” por um conceito sempre provisório de “verossimilhança”?
Teria depois, preso na própria armadilha, permitido que se suscitasse  dúvida também sobre a sua isolada certeza do “Cogito ergo Sun” (penso, logo existo), porque se trata de mera certeza imediata, e  certezas imediatas  constituem uma contraditio in adjecto   (Nietzche).
Há a dúvida que se quer dirimir, superando a ignorância da verdade, a dúvida que deve ser mantida a qualquer custo para a segurança das relações humanas. A dúvida, mola mestra dos cientistas que devem, a todo tempo, relativizar o conhecimento em busca do seu aperfeiçoamento ou retificação; aquela que se divide entre a ilusão do determinismo e a do livre arbítrio.
A dúvida se existe uma só verdade ou se esta é produto do espírito. O que importa?
O que importa o que seja a realidade fora de mim se os projetos, se as fantasias quotidianas, me ajudam a viver, me auxiliam a sentir que sou e o que sou (As Janelas, Charles Baudalaire).
O que sou: nem o ser, nem o nada.
Seria, pois, a dúvida alimentada por Bentinho fruto apenas de sua mente? De seu  ciúme infundado?
Seria eticamente aceitável que Bentinho rejeitasse Capitu e o filho, pela mera suspeita da infidelidade?
Não foi por certo intenção de nosso maior e mais talentoso escritor cuidar do ciúme e da traição como temas centrais de Dom Casmurro.
Tais temas já haviam sido explorados prodigamente em clássicos da literatura universal, como em Otelo, de Shakespeare.
Por isso não era de se indagar de Machado se Capitu era culpada ou inocente.
Não, tal não importa.
No âmbito jurídico toda dúvida se resolve em benefício do réu (in dubio pro reo), ou do pobre e miserável (in dubio pro misero) e assim numa opção pelo acusado ou o miserável, cria o Direito uma realidade técnica a eles favorável.
Mas Machado, nutrindo grande simpatia pela jovem Capitu e seu caráter, e desvelado amor pela “dúvida”, em oposição à suposição da existência de uma só verdade objetiva, uma só realidade, também nunca o soube.
Em verdade e supostamente (aqui eu lhe dou o benefício da dúvida), nunca quis saber, preferindo convertê-la, também para si, num eterno dilema, que cada qual soluciona como preferir.
Foi a dúvida e os seus mistérios, a dúvida e o dilema que encerra, a dúvida e a repulsa ética pela possibilidade de  injustiça pois, a grande, básica  e fundamental protagonista de Dom Casmurro.
Até amanhã.


Nenhum comentário:

Postar um comentário