terça-feira, 31 de maio de 2011

A GALINHA FAMINTA - CAUSAS & CAUSOS N. I

Boa noite gente boa. Hoje é dia de contar "causo". Escolhi um  que está publicado no livro Causas & Causos, de minha autoria, lançado pela Editora Millenium, Campinas, (SP), em 2.006. Trata das distintíssimas galinhas caipiras, que podem ser vistas aí na foto ao lado. Boas para qualquer prato. Melhor ainda para a tal galinhada, prato saboroso, cuja origem ainda é discutida. Muitos afirmam que a galinhada tradicional tem origem em Goiás. Outros, afiançam que ela é de Minas. De qualquer forma, apreciei muito esse prato quando fui Juiz em Angatuba, pois também goza da predileção  da gente boa e simples do interior de São Paulo. E se for galinha furtada, mais gostosa fica, segundo a lenda. E com uma pinguinha, então? Bem, vamos ao tal "causo" que é verdadeiro e tudo o mais:

"A GALINHA FAMINTA

              “Mentiras sinceras me interessam. Me interessam”. (Cazuza).
                                          Surpreendido em flagrante delito, o Josias não se conformava com a prisão e a posterior acusação criminal que lhe impingia o Ministério Público.
Primário e de bons antecedentes, já entrando na terceira idade, pesava-lhe a imputação de tentativa de furto.

E ainda por cima de furto de uma galinha!
A indignação era proporcional à indignidade da situação.
                                           A única coisa que aliviava um pouco a sensação de vergonha e idiotice era o fato de que o furto de galinha naquela região, a par de ser relativamente comum, se não contava com expressa aprovação da comunidade, também não era caso de grave censura.
                                           Afinal, corria “à boca pequena” que a galinhada, prato típico daquela plagas, era muito mais gostosa quando feita com galinha “roubada”.

                                                         Mas, como é próprio do Brasil, o herói que é apanhado em flagrante, perde a admiração popular, substituída  por um certo desprezo ou menoscabo.
                                           Como? O cara foi apanhado? Que burrice! Pensei que fosse mais inteligente.
De qualquer forma, a noite passada na incômoda e fria cela, dividida apenas com algumas formigas e uma barata, tinha sido pesada para o Josias.
                                           E o que diria o jornal na semana seguinte? (ainda bem que o jornal era semanal e seria possível acreditar que até lá quem sabe se ele não teria provado a sua inocência, contando com o beneplácito do Senhor Juiz).
                                          O que será que estão comentando no clube de campo ou no bar do Joca?
                                          Credo, tudo por causa de uma galinha. De uma estúpida galinha que ainda por cima era de seu compadre.
E o compadre, hein!
Depois de anos de camaradagem e amizade não teve pecha de lhe entregar à polícia.
                                             E de bandeja!
                                             Ai, ai!
                                                               
  E os filhos? E os netos?
                                             Ave Maria!
Não havia jeito.
Tinha que haver alguma explicação
plausível.
                                                           No dia seguinte, à tarde, o carcereiro vem buscá-lo.
                                                          O Juiz recebera a denúncia e marcara incontinenti o interrogatório.
                                           No fórum, cabeça baixa, ouve do Magistrado a acusação  constante da denúncia.
                                            E em seguida, a costumeira indagação:
Esses fatos são verdadeiros?
                                           O Josias olha para o Juiz, olha para os dois lados, fita o Promotor de Justiça, o Advogado dativo que lhe arrumaram, o seu ingrato compadre e não tem dúvidas:
                                           - Olha, seu Juiz. Eu sô hóme de respeito. Já não sô criança. Tudo mundo aqui me conhece. Eu não sô hóme de fazê coisa errada. Tenho fios e netos. Eu sô trabaiador. Eu não queria roubar galinha nenhuma.
                                             - Não?
                                             - Não. Acontece doutô, que eu vinha andando pela estrada anteonte e vi umas galinha desse meu cumpadre. Oia doutô. Pra falá bem a verdade esse meu cumpadre é boa pessoa, mas é pão duro pá caramba. Não dá comida pressas coitada das galinhas.  Aí eu ia passando e qual num foi quando uma franga pulô em cima de mim. Aí eu percebi o porquê. Eu tava com essa camisa que o sinhô tá vendo. Óia os botão. São amarelinhos doutô. A pobre pensou que fosse mio, pulava e bicava os botão doida que tava de fome. E eu tentando afastá a danada, até que os hóme chegaro e me prendero, dizendo que eu tava levando a galinha embora. Pode uma coisa dessa?
Seguiu-se um minuto de silêncio.
E o Josias, sem nenhuma cerimônia e ignorando o olhar estupefato da galera, vira para o cumpadre e remata:
                                                         
                                                          - Oia cumpadré. Tome vergonha nessa cara e dê cumida pressas galinhas sô!"
Boa noite e até amanhã.

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