segunda-feira, 2 de maio de 2011

O VELHO CINEMA NOVO - DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL

Boa noite caros amigos blogueiros.
Segunda-feira chuvosa, dá nostalgia. Aproveito para convidar todos, inclusive os da nova geração, a ver um filme antigo, ainda em branco em preto, um longa metragem em 35 milimetros, do ano de 1.964. Trata-se de Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha.
O Filme é o legítimo representante de um movimento batizado de Cinema Novo, que teve  no baiano Glauber Rocha, o melhor representante e que merece ser conhecido e respeitado.
Há quem considere o Cinema Novo,  uma das vertentes do Tropicalismo, que agitou os anos 60 e 70, além do cinema (leia-se também  Joaquim Pedro de Andrade, com Macunaíma), vários outros campos da cultura, como as artes plásticas (Hélio Oiticica), a música (Caetano Veloso, Gil, Mutantes), a Dramaturgia (José Celso Martinez  Corrêa) etc.
Aqui o diretor busca em linguagem manifestamente metafórica, retratar a saga de um casal de sertanejos, Manoel (GERALDO DEL REY) e Rosa (YONÁ MAGALHÃES),  em busca de  um pedaço de terra para plantar e sobreviver.
 A frustração e o ódio tomam conta do  vaqueiro Manoel quando tenta receber  do coronel (ANTONIO PINTO), para quem conduz reses pela aridez do sertão, a sua combinada contraprestação (parcela daquele gado sobrevivente), mas é  rechaçado e humilhado.  Depois de matar o coronel,  o casal foge e   vai encontrando pelo caminho os mais diversos tipos e situações.
Em sua trajetória o vaqueiro encontra o beato Sebastião (LÍDIO SILVA) e se submete ao seu poder e desígnios, numa religiosidade fundamentada no retorno a um catolicismo místico, que apregoa a existência da terra do sol, onde não mais haveria pobreza, privações e humilhações,  atingível por meio de rituais de imolação e  eliminação dos pecadores.
O assassinato do beato e a exterminação de todos os seus incautos seguidores pelo matador Antonio das Mortes (MAURÍCIO DO VALLE), contratado pelo Governo e pela Igreja Católica, força o empreendimento de nova fuga do casal sobrevivente que, no percurso, cruza com os jagunços remanescentes do já combalido cangaço, movimento comandado por Lampião, àquela  altura  já capturado e morto.
O vaqueiro entra para o cangaço e ali experimenta toda a sorte de desafios e crueldades, impostas pela crença de uma reparação fundada na vingança e na Lei de Talião.
Já nos momentos finais, dá-se a morte do cangaceiro Corisco (OTHON BASTOS), o diabo loiro, comandante do grupo remanescente, por Antonio das Mortes, e a nova fuga do casal em desabalada carreira para um lugar qualquer e um destino desconhecido, no meio do devastado sertão.
A mensagem que se pretende transmitir transcende as mazelas de um país como o Brasil  e do povo sofrido do Nordeste, mero palco e linguagem utilizados para refletir eufemisticamente questões sociais e existenciais atemporais e cosmopolitas.
 Questiona-se o sentido da  existência e do papel do Estado, a serviço dos poderosos, a utopia da justiça social integral,  a  manipulação das massas ignorantes e impotentes por políticos e pela força do  misticismo religioso milenar que arrasta multidões para o fanatismo, na promessa de uma vida melhor, num lugar qualquer, dentro ou fora deste mundo (a  metáfora da “terra do sol”).
Destaque igualmente para a cena final, quando o diabo loiro Corisco, antes da sua execução por Antonio das Mortes, em verdadeira catarse, lamenta  o tormento da vida  e confessa o  temor da  morte próxima,    desfazendo, assim,  o mito do jagunço corajoso e destemido e a  frustração por não ter encontrado resposta às suas indagações de felicidade, supostamente alcançável por meio da força e da vingança, para  resgatar o povo incauto e explorado, dos arbítrios e abusos do poder constituído, redenção que não se alcançou, contudo, embora sentencie, antes de tombar: “A Terra é dos homens, não é de Deus, nem do Diabo”.
  De ruim, o som que prejudica, se não houver atenção absoluta e bom ouvido, a escuta de muitos dos diálogos, mesmo na versão remasterizada, em DVD.
De bom a atuação dos artistas, destacando-se, contudo, a de OTHON BASTOS, impecável no papel do diabo loiro, Corisco.
 A trilha sonora forte e profunda,  composta essencialmente da música de Sérgio Ricardo,  forjada  em texto do próprio Glauber Rocha “Eu não me entrego não, eu não sou passarinho pra viver lá na prisão”,  aliada  à sutileza das “Bachianas Brasileiras” de Villa Lobos, marcam o compasso medido das cenas de tragédia e protesto, de luta e entrega, de desânimo e esperança que compõem a obra, obra-prima,  sem dúvida.
O sertão vai virar mar. O mar vai virar sertão”, palavras de esperança com as quais prossegue a trilha, embalando a cena final de  desabalada carreira do Vaqueiro e sua mulher pela aridez infinita do sertão, fugindo do passado e   ainda em busca do acaso, da utópica terra da esperança, sintetizam a mensagem e o argumento de “Deus e o Diabo da Terra do Sol”, considerado por parte significativa da crítica, como o melhor filme brasileiro de todos os tempos.
Não deixe de ver e comentar.
Boa noite e até amanhã. 




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