Boa noite caros amigos blogueiros.
Segunda-feira chuvosa, dá nostalgia. Aproveito para convidar todos, inclusive os da nova geração, a ver um filme antigo, ainda em branco em preto, um longa metragem em 35 milimetros, do ano de 1.964. Trata-se de Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha.
O Filme é o legítimo representante de um movimento batizado de Cinema Novo, que teve no baiano Glauber Rocha, o melhor representante e que merece ser conhecido e respeitado.
Há quem considere o Cinema Novo, uma das vertentes do Tropicalismo, que agitou os anos 60 e 70, além do cinema (leia-se também Joaquim Pedro de Andrade, com Macunaíma), vários outros campos da cultura, como as artes plásticas (Hélio Oiticica), a música (Caetano Veloso, Gil, Mutantes), a Dramaturgia (José Celso Martinez Corrêa) etc.
Aqui o diretor busca em linguagem manifestamente metafórica, retratar a saga de um casal de sertanejos, Manoel (GERALDO DEL REY) e Rosa (YONÁ MAGALHÃES), em busca de um pedaço de terra para plantar e sobreviver.
A frustração e o ódio tomam conta do vaqueiro Manoel quando tenta receber do coronel (ANTONIO PINTO), para quem conduz reses pela aridez do sertão, a sua combinada contraprestação (parcela daquele gado sobrevivente), mas é rechaçado e humilhado. Depois de matar o coronel, o casal foge e vai encontrando pelo caminho os mais diversos tipos e situações.
Em sua trajetória o vaqueiro encontra o beato Sebastião (LÍDIO SILVA) e se submete ao seu poder e desígnios, numa religiosidade fundamentada no retorno a um catolicismo místico, que apregoa a existência da terra do sol, onde não mais haveria pobreza, privações e humilhações, atingível por meio de rituais de imolação e eliminação dos pecadores.
O assassinato do beato e a exterminação de todos os seus incautos seguidores pelo matador Antonio das Mortes (MAURÍCIO DO VALLE), contratado pelo Governo e pela Igreja Católica, força o empreendimento de nova fuga do casal sobrevivente que, no percurso, cruza com os jagunços remanescentes do já combalido cangaço, movimento comandado por Lampião, àquela altura já capturado e morto.
O vaqueiro entra para o cangaço e ali experimenta toda a sorte de desafios e crueldades, impostas pela crença de uma reparação fundada na vingança e na Lei de Talião.
Já nos momentos finais, dá-se a morte do cangaceiro Corisco (OTHON BASTOS), o diabo loiro, comandante do grupo remanescente, por Antonio das Mortes, e a nova fuga do casal em desabalada carreira para um lugar qualquer e um destino desconhecido, no meio do devastado sertão.
A mensagem que se pretende transmitir transcende as mazelas de um país como o Brasil e do povo sofrido do Nordeste, mero palco e linguagem utilizados para refletir eufemisticamente questões sociais e existenciais atemporais e cosmopolitas.
Questiona-se o sentido da existência e do papel do Estado, a serviço dos poderosos, a utopia da justiça social integral, a manipulação das massas ignorantes e impotentes por políticos e pela força do misticismo religioso milenar que arrasta multidões para o fanatismo, na promessa de uma vida melhor, num lugar qualquer, dentro ou fora deste mundo (a metáfora da “terra do sol”).
Destaque igualmente para a cena final, quando o diabo loiro Corisco, antes da sua execução por Antonio das Mortes, em verdadeira catarse, lamenta o tormento da vida e confessa o temor da morte próxima, desfazendo, assim, o mito do jagunço corajoso e destemido e a frustração por não ter encontrado resposta às suas indagações de felicidade, supostamente alcançável por meio da força e da vingança, para resgatar o povo incauto e explorado, dos arbítrios e abusos do poder constituído, redenção que não se alcançou, contudo, embora sentencie, antes de tombar: “A Terra é dos homens, não é de Deus, nem do Diabo”.
De ruim, o som que prejudica, se não houver atenção absoluta e bom ouvido, a escuta de muitos dos diálogos, mesmo na versão remasterizada, em DVD.
De bom a atuação dos artistas, destacando-se, contudo, a de OTHON BASTOS, impecável no papel do diabo loiro, Corisco.
A trilha sonora forte e profunda, composta essencialmente da música de Sérgio Ricardo, forjada em texto do próprio Glauber Rocha “Eu não me entrego não, eu não sou passarinho pra viver lá na prisão”, aliada à sutileza das “Bachianas Brasileiras” de Villa Lobos, marcam o compasso medido das cenas de tragédia e protesto, de luta e entrega, de desânimo e esperança que compõem a obra, obra-prima, sem dúvida.
“O sertão vai virar mar. O mar vai virar sertão”, palavras de esperança com as quais prossegue a trilha, embalando a cena final de desabalada carreira do Vaqueiro e sua mulher pela aridez infinita do sertão, fugindo do passado e ainda em busca do acaso, da utópica terra da esperança, sintetizam a mensagem e o argumento de “Deus e o Diabo da Terra do Sol”, considerado por parte significativa da crítica, como o melhor filme brasileiro de todos os tempos.
Não deixe de ver e comentar.
Boa noite e até amanhã.
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